Por Francisco Espiridião
Sou policial militar da reserva remunerada. Feito no filme tropa de Elite (1), pedi para sair – deixar a farda – antes do tempo. Houve momentos em que me julguei arrependido de haver arregado. Perdi promoções importantes em razão desse ato. Mas hoje, diante das acontecências (obrigado, Shirley), acredito que saí a tempo. A tempo de não ter de compactuar com novidades que, para mim, soam como contorcionismos morais.
O escândalo da vez na República envolve um policial militar (soldado de primeira classe) do Distrito Federal. O fato de este PM, João Dias, aparecer na grande imprensa como sendo o dono de duas ONGs (organização não governamental) – a Federação Brasiliense de Kung Fu e a Associação João Dias de Kung Fu –, mostra que, a essa altura do campeonato, o Estatuto que rege a organização policial militar tomou rumo incerto e não sabido.
O artigo 30 da Lei federal 7.289, de 18 de dezembro de 1984 (Estatuto dos Policiais Militares da Polícia Militar do Distrito Federal), recepcionado pela Constituição Federal de 1988, cita, textualmente:
“Ao policial-militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada”.
As duas ONGs existem há tempo suficiente para que os superiores hierárquicos do soldado PM João Dias o investigassem, à luz da legislação que rege a vida funcional dos militares do DF. E mais: o imbróglio mostra que, há cerca de três anos, a PM solicitou esclarecimentos sobre a atividade do soldado junto ao Ministério do Esporte. Mesmo confirmada a irregularidade, nenhuma providência foi tomada pelos seus comandantes.
A hierarquia, um dos sagrados pilares do militarismo (ao lado da disciplina), também parece não significar muita coisa na caserna dos dias atuais. Antes, o soldado recebia ordem e agia como se tivesse recebido uma “Mensagem a Garcia”, aquela que tinha de ser cumprida a qualquer custo. Hoje, ao receber uma ordem, o subordinado pergunta por que deve cumpri-la.
Um doce para quem descobrir em que buraco se meteu a hierarquia no caso da greve dos PMs e bombeiros de Roraima, em 2009, quando superiores hierárquicos chegaram a ser agredidos fisicamente por subordinados, num flagrante desrespeito ao artigo 298 do Código Penal Militar:
“Desacatar superior, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, ou procurando deprimir-lhe a autoridade: Parágrafo único. A pena é agravada, se o superior é oficial general ou comandante da unidade a que pertence o agente”.
A falta de seriedade toma de assalto grande parte das instituições do País. Dias atrás a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, denunciou a existência de “bandidos escondidos atrás da toga”.
Para confirmar as palavras da corregedora, o juiz de direito da comarca de Campo Maior (PI), José William do Vale Veloso, foi pilhado, quarta-feira (19), pela Polícia Federal e Ministério Público, logo após haver recebido dinheiro de extorsão. Não ficou preso porque o crime é afiançável.
O ministério da presidente Dilma Rousseff parece estar corroído de A a Z pela falta de ética e malversação do erário. No carnaval da sem-vergonhice, do oba-oba que perdura havia anos, gestores misturam o público com o privado, jogando tudo num liquidificador. Depois, por não saberem discernir a sua parte da da Viúva, embolsam tudo.
Desde o início do governo, há quase dez meses, quatro ministros já tiveram a cabeça decepada: Antônio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura) e Pedro Novais (Turismo). Tombaram negando as traquinagens, apesar de todas públicas e notórias. Outros peregrinam na fila do cadafalso.
Acusado de oferecer um “mensalinho” de 30 mil reais a deputados de seu partido, o PP, o ministro das Cidades, Mário Negromonte, passou por tempestade avassaladora. Mas a auréola negra, parece, se desfez. A bola da vez é o do Esporte, Orlando Silva, enredado com as denúncias do soldado PM João Dias (DF). Não se sabe até quando resistirá.
Com tantos exemplos nefastos assim, como se exigir dos jovens um comportamento exemplar? Parafraseando o poeta baiano Gustavo Dourado, como exigir do homem do povo uma vida ilibada quando as autoridades não passam de “raposas depravadas na porta do galinheiro”?
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