Por Francisco Espiridião
O deputado Romário, craque de futebol e neófito na política, falou coisas do arco da velha, em entrevista concedida à revista Veja (21/3). Disse que no Parlamento brasileiro, todos estão jogando pra torcida e se lixando para o povo. Não foi nenhuma novidade para ninguém. Teve um deputado que disse isso de si mesmo, com todas as letras e, nem por isso deixou de se reeleger (“Estou me lixando para a opinião pública”, Sérgio Morais - PTB/RS).
O que mais me intriga é que pouca gente tenha se levantado para questionar o estreante deputado-ex-jogador. Ninguém dentro do Parlamento deu um pio com relação ao pito que recebera alto e bom som. Aliás, Romário, parece, está ali para mostrar que sociedade somos nós. Teria razão o dramaturgo Nelson Rodrigues, quando disse que o Brasil é um país de vira-latas?
Nesta segunda-feira (2), no final da tarde, resolvi fazer aquilo que sempre faço e depois me arrependo. Não tenho paciência que esperar a conta do telefone para efetuar o pagamento. Descobri que a gente pode fazer isso, antecipadamente, numa lotérica, repassando à atendente (ou ao atendente) o número do dito-cujo. Pago adiantado. O vencimento só se dá no dia 11 de cada mês.
Satisfeito por cumprir minha obrigação de cidadão, pagando a conta em dia, mas arrependido porque a conta, paga na lotérica, sempre vem acrescida de 2 reais. A justificativa para tal onerosidade é ter sido honrada com antecipação, ou seja, pagar antes da data gera multa. Desta vez, para aumentar o meu arrependimento, quando cheguei à minha casa, eis que o boleto estava lá, dormitando na caixa dos Correios. Coisas de mané. Mas esse não é o caso. A gente tira de letra.
O que não dá para aguentar mesmo é você entrar numa fila quilométrica, no fim do expediente, doido para tomar um banho e se refestelar no sofá da sala, e chega um cidadão bonitão, todo importante, passa na frente de todos, e vai ao caixa. Conversa animadamente com o cliente da vez – um cara fortão parecido com um daqueles que puxam ferro na academia de ginástica – e lhe repassa um montão de contas para pagar. Furou a fila soberanamente e a cara nem tremeu ou ficou vermelha.
Mas isso não é tudo. Nós, da fila, assistíamos a tudo impassivelmente. Até que um cidadão não aguentou e botou a boca no trombone:
– Oh, amigo, você está furando a fila!
Você acha que o bonitão se alterou? Qual nada! Permaneceu na dele. Quem virou macho foi o cliente bombadão. Aceitou a patacoada e ainda chamou para a briga o rapaz que reclamou. Disse que se ele estava tão incomodado, que lhe entregasse também a conta, que ele pagaria de bom grado. Tudo embalado ao som de pornofonias que não valem a pena repetir aqui.
Assanhei-me com o despautério e repeti que ele estava errado, que não era correto fazer aquilo, e coisa e tal. Aí, o danado voltou suas baterias contra mim. Ouvi calado, é claro. Ninguém mais se manifestou em minha defesa ou do cidadão que reclamou primeiro. O bonitão recebeu suas contas pagas e saiu, enquanto o (mau) cliente ficou esperando o pagamento das suas.
Aí pensei comigo:
– Que tal se todos que estavam ali na fila – mais de 15 pessoas – entregassem a conta para aquele “bondoso” cliente pagar, e ele esperasse até a última para, então, pagar as suas e sair?
Esse é o país em que vivemos. Os nossos representantes no Congresso flertam com a atitude desse mau cliente. É a lei de Gerson imperando ainda em nossos dias. Todos querem levar vantagem em tudo. Fruto da má-educação que campeia as famílias, em sua grande maioria, desestruturadas. Esse procedimento leva todos a achar que o submundo que engoliu o senador Demóstenes Torres é natural. “É assim mesmo”.
Estamos calejados. As coisas erradas não nos surpreendem mais. Não nos causam indignação. Baixamos a cabeça às falcatruas que se passam debaixo de nossos narizes. Fingimos não sentir o forte odor de coisa podre. Somos, realmente, um povo vira-lata.
(*) Jornalista e escritor; fe.chagas@uol.com.br
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