Volte e meia, tudo indica, o procurador Jefferson Aparecido Dias, do Ministério Público Federal, fica com síndrome de abstinência dos holofotes e decide, então, inventar uma causa para virar notícia. Aprendeu, com a experiência, que dar uns cascudos em Deus — nada menos — ou na fé de mais de 90% dos brasileiros, que são cristãos, rende-lhe bons dividendos. Eventualmente ele pode juntar o combate à religião a alguma outra causa politicamente correta (já chego lá), e aí tem barulho garantido. E, por óbvio, granjeia o apoio de amplos setores da imprensa, que podem até admirar o lulo-petismo, mas acham que religião é mesmo um atraso… Acham legítima a fé num demiurgo mixuruca, mas não em Deus. Entendo. É uma questão de padrão intelectual.
A mais
nova e essencial decisão deste senhor, da Procuradoria Regional dos
Direitos do Cidadão, de São Paulo, foi entrar com uma ação civil pública
para retirar das notas do real a expressão “Deus seja louvado”. É o
mesmo rapaz que de mobilizou para caçar e cassar todos os crucifixos de
prédios públicos, lembram-se? Também foi ele que tentou, sem sucesso,
levar o pastor Silas Malafaia às barras dos tribunais quando este
protestou contra o uso de santos católicos em situações homoeróticas
numa parada gay. Referindo-se a ações na Justiça, o pastor afirmou que a
Igreja Católica deveria “baixar o porrete” e “entrar de pau” nos
organizadores do evento. O contexto deixava claríssimo que se referia a
ações na Justiça. O procurador, no entanto, decidiu acusar o religioso
de incitamento à violência. Era tal o ridículo da assertiva que a ação
foi simplesmente extinta. Eis Jefferson Aparecido Dias! Eu o imagino
levando os recortes de jornal para as tias: “Este sou eu…”
Jefferson é
um homem destemido. Não tem receio de demonstrar a sua brutal e
profunda ignorância. É do tipo que diz bobagens de peito aberto. Depois
de gastar dinheiro dos contribuintes com a questão do crucifixo e com a
tentativa de ação contra Malafaia, ele agora se volta para as notas do
real. E justifica a sua ação com esta boçalidade intelectual:
“A manutenção da expressão ‘Deus
seja louvado’ [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras
de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a
coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas
em solo brasileiro (…). Imaginemos a cédula de real com as seguintes
expressões: ‘Alá seja louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve Oxóssi’,
‘Salve Lord Ganesha’, ‘Deus não existe’. Com certeza haveria agitação na
sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos
crentes em Deus”.
Como se
nota, trata-se de uma ignorância cultivada com esmero, com dedicação,
com afeto até. Jefferson é do tipo que ama as tolices que diz, o que é
demonstrado pelo recurso da enumeração. Trata-se, assim, para ficar no
clima destes dias, de uma espécie de continuidade delitiva do argumento.
Vamos ver.
O
procurador é o tipo de temperamento que gosta de propor remédios para
males que não existem, o que é próprio de certas mentalidades
autoritárias. Em que a expressão “Deus seja louvado” impede “a
coexistência em condições igualitárias” de todas as religiões? Cadê os
confrontos? Onde estão os enfrentamentos? Apontem-me as situações em que
as demais religiões, em razão dessa expressão, passaram por um processo
de intimidação. Em tempo: Alá é Deus, doutor! Vá estudar!
Não sei
que idade tem este senhor, mas sei, com certeza, que ele se formou na
era em que o “princípio da igualdade” tem de se sobrepor a qualquer
outro, mesmo ao princípio da realidade e da verdade. Ora, “Deus” — sim, o
cristão! — tem, para as esmagadora maioria dos brasileiros, uma
importância cultural, moral, ética e religiosa que aqueles outros
símbolos religiosos não têm. Todos os brasileiros são iguais no direito
de expressar a sua fé — e isso está assegurado pelo Inciso VI do Artigo
5º da Constituição, a saber:
“VI – é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
a suas liturgias;”
Ocorre,
doutor Jefferson, que a mesma Constituição que garante essa liberdade — e
que assegura a liberdade de expressão, aquela que o senhor tentou
cassar do pastor Malafaia — também tem o seguinte preâmbulo:
“Nós, representantes do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Como é que
o doutor Jefferson tem o topete de evocar uma Constituição promulgada
“sob a proteção de Deus” para banir das notas do real a expressão “Deus
seja louvado”, sustentando que ela “impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões”?
Doutor Jefferson é macho o bastante (em sentido figurado, claro, como o
emprega o povo) para dar início a um movimento para cassar Deus da
Constituição? Ou, acovardado, ele se limita a perseguir crucifixos em
repartições públicas e a expressão genérica da fé em cédulas de
dinheiro?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os crentes em Oxóssi?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os crentes em Lord Ganesha?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os ateus?
O nome
disso é intolerância. Esse mesmo procurador já tentou processar um outro
pastor evangélicos que atacou o ateísmo — ainda que o tenha feito em
termos impróprios. Já me ocupei de doutor Jefferson neste blog algumas vezes
no passado. Quase invariavelmente, ele comparece ao noticiário tratando
de questões dessa natureza, o que, fica evidente, caracteriza uma
militância. O que me pergunto é se este senhor, ele sim!, por ser
eventualmente ateu (e é um direito seu), não tenta usar uma posição de
autoridade que conquistou no estado brasileiro para impor a sua
convicção.
Maiorias, minorais e respeito
Nas democracias, prevalece a vontade da maioria na escolha dos
mandatários e, frequentemente, no conteúdo das leis. Elas também se
fazem presentes nos costumes e nos valores. Mas o regime só será
democrático se os direitos das minorias forem garantidos. Haver na
cédula do real a expressão “Deus seja louvado” significa, sim, que este é
um país em que a esmagadora maioria acredita em Deus, mas não
caracteriza, de modo nenhum, supressão dos direitos daqueles que não
acreditam em Deus nenhum, que acreditam em vários deuses ou que
simplesmente acham a religião uma perda de tempo. Em sociedade, a
afirmação positiva de um valor não implica, necessariamente, a cassação
da expressão de quem pensa de modo diferente.
Ora, seria
mesmo um despropósito, meu senhor, que houvesse, no Brasil, com a
história e com o povo que tem, algo como “Lord Ganescha seja louvado” ou
“Oxóssi seja louvado” pela simples e óbvia razão de que essas, quando
considerada a sociedade brasileira no seu conjunto, são crenças de
exceção, que traduzem escolhas e convicções da minoria do povo. O Brasil
é uma nação de maioria cristã, o que o doutor não conseguirá mudar. O
que se exige é que essa nação resguarde os direitos de quem quer cultuar
outras divindades e deuses ou deus nenhum. E isso está garantido pela
Constituição Brasileira, promulgada “sob a proteção de Deus”.
Finalmente,
o argumento de que o estado é laico — e, felizmente, é mesmo! — não
deve servir de pretexto para que se persigam as religiões. Um estado
laico não significa um estado ateu, que estivesse empenhado em combater
as religiões. A sua laicidade é afirmativa, não negativa; ela assegura a
livre expressão da religiosidade, em vez de reprimir a todos
igualmente. Entendeu a diferença, doutor?
Sei que a
questão parece menor, quase irrelevante. Mas não é, não! Essa é apenas
uma das vezes em que supostos iluministas, falando em nome da razão,
tentam impor uma espécie de censura da neutralidade ao conjunto da
sociedade. Pretendem que escolhas com viés ideológico sejam apenas as
alheias, a de seus adversários. Promovem permanentemente uma espécie de
guerra cultural contra os valores da maioria para poder acusá-la de
autoritária.
Como
sabemos, a cada vez que os ingleses cantam “God save our gracious Queen”
e se ouve o eco lá naquele “novo continente” — “And this be our motto:
‘In God is our trust’” —, o que se tem é a voz da ditadura cristã
dominando o mundo, não é mesmo?
Deveria haver um limite para o ridículo, mas não há! Parece que o que falta ao procurador é serviço!
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