quinta-feira, 24 de abril de 2014

Cristo me salvou. Aleluia!

Francisco Espiridião 

O dia de hoje, Sexta-feira da Paixão, é considerado um dia santificado. Não tão santificado como na minha infância. Naquele tempo, década de 60, na minha casa [do meu pai] todos éramos extremamente católicos. Levávamos as tradições a sério.

Hoje, ainda há quem não coma carne nestes dias. Mas são poucos. Antes, semana santa era santa mesmo. A mistura era só peixe. Não se saía de casa, a não ser para participar da Procissão do Senhor Morto. Não se acendia o fogão (de lenha) nem mesmo para preparar uma rápida refeição.

Não se fazia qualquer trabalho. Fosse o mais leve ou aquele pesado por demasia. Muito menos se davam risadas. Éramos todos obrigados a demonstrar aparência circunspecta, espantosamente sisuda. Passávamos a semana mergulhados em profundo luto.

Para mim, criança antes dos dez, sexta para sábado, a pior noite. Tortura total. O romper da aleluia (o raiar do sábado) era evento tão esperado quanto o mais improvável. Enfiavam em nossas cabecinhas que, dado à desobediência, Papai do céu, aquele “velho carrancudo”, daria um definitivo “stop” no curso deste mundo.

Para a nossa alegria, sempre rompia a aleluia. Então, tudo era festa. A cada esquina do sábado havia um Judas para se malhar. Fosse hoje, não seria necessário repetir o Judas, já que são tantos e tantos os que pisam na bola, digo, na cabeça do povo.

Exemplo de prováveis Judas dos tempos modernos: dona Dilma, que diminuiu um tantinho assim na conta de energia elétrica, acaba de assegurar que depois das eleições a gente vai ver o que é bom para tosse. Outro bom de malhar – esse é coletivo: a turma do mensalão, o André Vargas, a violência desmedida, os acidentes de trânsito de Boa Vista...

Deixando os Judas de lado, há quem se lembre da brincadeira do serra-velha, sempre de sexta para sábado: ia-se para um cemitério e lá se faziam poucas e boas sobre túmulos de “personae non gratae”. O meu pai contava uma dessas histórias que eram uma delícia.

No seu tempo de jovem, início do século passado (Seu Sylvio despediu-se aos 96, em maio de 2009), a etiqueta exigia vestir-se a caráter, sempre. E lá se foram. Em bando. Serrar velhas.

Um deles encravou uma cunha na sepultura como se cravam corpos de vampiros – com estaca de madeira no coração. O fazia com as mãos para trás, olhando para frente, por medo do “de cujus”.

E, quando quis se levantar para sair correndo e zombando da estripulia praticada, viu-se preso. Havia encravado não só a sepultura, mas também a aba do paletó. Então, gritava:

– Me larga, defunto safado, me larga, defunto safado!

Como o defunto não o deixou, desmaiou sobre o túmulo.


Hoje, não se serram mais velhas e nem ninguém mais rouba galinha do vizinho e o convida para o almoço. Sou liberto para comer carne à vontade e não preciso mais esperar o romper da aleluia. Sei também que não preciso sair atrás de nenhum senhor morto porque o meu Senhor está vivo. Ele me salvou, Aleluia!

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