Francisco Espiridião
O dia de hoje, Sexta-feira da Paixão, é considerado um dia
santificado. Não tão santificado como na minha infância. Naquele tempo, década
de 60, na minha casa [do meu pai] todos éramos extremamente católicos. Levávamos
as tradições a sério.
Hoje, ainda há quem não coma carne nestes dias. Mas são poucos.
Antes, semana santa era santa mesmo. A mistura era só peixe. Não se saía de
casa, a não ser para participar da Procissão do Senhor Morto. Não se acendia o
fogão (de lenha) nem mesmo para preparar uma rápida refeição.
Não se fazia qualquer trabalho. Fosse o mais leve ou aquele pesado
por demasia. Muito menos se davam risadas. Éramos todos obrigados a demonstrar aparência
circunspecta, espantosamente sisuda. Passávamos a semana mergulhados em
profundo luto.
Para mim, criança antes dos dez, sexta para sábado, a pior
noite. Tortura total. O romper da aleluia (o raiar do sábado) era evento tão
esperado quanto o mais improvável. Enfiavam em nossas cabecinhas que, dado à
desobediência, Papai do céu, aquele “velho carrancudo”, daria um definitivo “stop”
no curso deste mundo.
Para a nossa alegria, sempre rompia a aleluia. Então, tudo era
festa. A cada esquina do sábado havia um Judas para se malhar. Fosse hoje, não
seria necessário repetir o Judas, já que são tantos e tantos os que pisam na
bola, digo, na cabeça do povo.
Exemplo de prováveis Judas dos tempos modernos: dona Dilma,
que diminuiu um tantinho assim na conta de energia elétrica, acaba de assegurar
que depois das eleições a gente vai ver o que é bom para tosse. Outro bom de
malhar – esse é coletivo: a turma do mensalão, o André Vargas, a violência
desmedida, os acidentes de trânsito de Boa Vista...
Deixando os Judas de lado, há quem se lembre da brincadeira
do serra-velha, sempre de sexta para sábado: ia-se para um cemitério e lá se faziam
poucas e boas sobre túmulos de “personae non gratae”. O meu pai contava uma
dessas histórias que eram uma delícia.
No seu tempo de jovem, início do século passado (Seu Sylvio
despediu-se aos 96, em maio de 2009), a etiqueta exigia vestir-se a caráter,
sempre. E lá se foram. Em bando. Serrar velhas.
Um deles encravou uma cunha na sepultura como se cravam corpos
de vampiros – com estaca de madeira no coração. O fazia com as mãos para trás, olhando
para frente, por medo do “de cujus”.
E, quando quis se levantar para sair correndo e zombando da
estripulia praticada, viu-se preso. Havia encravado não só a sepultura, mas
também a aba do paletó. Então, gritava:
– Me larga, defunto safado, me larga, defunto safado!
Como o defunto não o deixou, desmaiou sobre o túmulo.
Hoje, não se serram mais velhas e nem ninguém mais rouba
galinha do vizinho e o convida para o almoço. Sou liberto para comer carne à
vontade e não preciso mais esperar o romper da aleluia. Sei também que não
preciso sair atrás de nenhum senhor morto porque o meu Senhor está vivo. Ele me salvou,
Aleluia!
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