Francisco Espiridião
Teve um tempo em que os roraimenses dormiam de portas
abertas, apesar de a Penitenciária Agrícola, que não era do Monte Cristo, ficar
situada em meio ao tempo, isolada de tudo, mas dentro dos limites da capital.
Não passava de um casarão branco perdido no lavrado da periferia, no bairro São
Vicente.
Naquele tempo, a população carcerária, que não ultrapassava
uma centena de condenados, era outra bem diferente da de hoje, que tange os
1.600 indivíduos. Havia presos por envolvimento com drogas, sim, mas se
registravam motins. Ninguém queimava colchões, nem existia em seu seio
indivíduos importados de facções criminosas dos grandes centros.
O casarão solitário do lavrado do São Vicente abrigava na
medida do possível só “boa gente”. Gente que, por circunstâncias outras, fora
levada a pagar alguma “prenda” à sociedade, mas que, não obstante, embalava as
mesmas aspirações de quem aqui fora permanecia.
Este cronista foi policial militar e comandou a guarda da
Penitenciária naquela época. Nosso maior trabalho não era cuidar para que não
entrasse droga em dia de visitas, nem ficarmos atentos para que não houvesse
passarinhos batendo asas. O clima entre internos e polícia era de amplamente
amistoso.
Nossa principal ocupação era bater o jogo com vinte pontos e
dominó de carroça, além de esperar a hora das refeições, feitas de forma
coletiva, preparadas pelos próprios internos. Presos e polícia, tudo junto e
misturado, comendo quase que no mesmo prato.
Naquele tempo, os traficantes – a maior representatividade
entre os internos – tinham como referência o Beiral. Não muito diferente de
hoje. Aliás, havia sim diferença: ontem, era uma delinquência meio romântica.
Hoje, extremamente trucidante. Mata-se o próximo com o mesmo sentimento com que
se esquarteja um carneiro ou se torce o pescoço da galinha.
Antes, havia respeito à hierarquia. Não só dentro dos
quartéis. Ela tinha lugar na escola, na relação professor-aluno; nas
repartições públicas, entre chefe e subordinados; e, principalmente, entre
aqueles que ultrapassavam as barreiras da lei em relação a seus carcereiros.
Quando o malandro falava com um polícia, não fosse este seu
amigo pessoal, cerrava o cenho, baixava a cabeça e o chamava de senhor. Hoje,
bandido enfrenta a autoridade como se fosse ele a própria autoridade.
O sentimento que impera nos presídios hoje – embalado pela
visão do “politicamente correto” – é o de que o preso tem lá seus “sagrados
direitos”. Diretos geralmente confundidos com libertinagem. O interno é o “rei
do pedaço”. No interior das celas, o Estado não tem poder de mando. A qualquer
pretensa falta de respeito da parte do carcereiro, estão aí para resolver a
“parada” o Ministério Público e os Direitos Humanos.
Para fazer crescer ainda mais a população carcerária, que no
Brasil há muito ultrapassou a casa dos 500 mil, está aí, altaneiro, o ECA, o
tal Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre outras “boas e salutares
medidas”, proíbe, com todas as letras, pompa e circunstância, que os pais
ensinem seus filhos a trabalhar desde cedo.
Qual outra medida mais eficaz para aumentar a população
carcerária de um País senão a de proibir que os pais ensinem suas crianças, na
prática, que elas precisam ser responsáveis, fiéis nos negócios e que é
trabalhando que se adquire dignidade? «
Nenhum comentário:
Postar um comentário