Para começar, um punhado de prosa
Este livro não tem a pretensão de estabelecer um tratado – mínimo que seja – ou mesmo criar certezas absolutas sobre o conturbado assunto garimpo em terra indígena. O leitor verá, no máximo, que alguns questionamentos levantados dizem respeito à realidade de Roraima, terra que tem como seu principal mo-numento a escultura de um garimpeiro com sua bateia, plantada no mais importante logradouro da capital, a Praça Joaquim Nabuco, no Centro Cívico.
E mais: que essa realidade não se atém apenas a fatos contemporâneos, incluindo-se aí a recente decisão tomada solenemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de homologar em área contínua a internacionalmente cobiçada Reserva Indígena Raposa-Serra do Sol, localizada a nordeste do Estado, numa extensão de 1,746 milhão de hectares. Verá, também, que argui, principalmente, reminiscências de tempos outros.
Conforme o título da obra sugere, a ênfase será dada à extração manual de minérios, com maior importância para o ouro de aluvião, uma das atividades econômicas mais pujantes ao longo do século passado, especialmente no seu último quartel, mas que se vê presente em toda a história de Roraima, desde a sua gênese, a exemplo de garimpeiros históricos como Severino Pereira da Silva, o lendário Severino Mineiro (1853-1950), lídimo fundador do agrupamento populacional que dera origem à atual cidade de Uiramutã, até os dias que marcam o início da segunda década do presente século.
Como parêntese, vale aqui lembrar que o ícone Severino Mineiro permanece vivo na pessoa de descendentes ilustres, entre estes, os jornalistas Paulo Tadeu Franco das Neves e Florany Mota, ex-prefeita de Uiramutã.
Não à toa, a tradição roraimense mostra o extrativismo mineral, com especialidade para a lavra de diamantes em seus primórdios, como uma das principais razões da crescente densidade demográfica verificada nestas paragens.
O assunto traz à memória, imediatamente, pelo menos três locais pioneiros onde a atividade garimpeira dava o tom da batida: o rio Maú, que marca a fronteira entre Brasil e a atual República Cooperativista da Gui-ana, na altura da Vila de Mutum – hoje porta de entrada para os garimpos manuais em terras guianenses; segundo, o igarapé Suapi, cuja principal personagem é o “Seu” Levindo Oliveira, pai do jornalista Laucides Oliveira; e, em terceiro lugar, a não menos lendária Serra do Tepequém, hoje explorada com bastante propriedade como um dos principais pontos do turismo ecológico no Estado. Não esquecendo, portanto, todos locais pródigos na lavra de diamantes.
O garimpeiro é nômade por natureza. Não consegue criar raízes em um determinado ponto geográfico. O bizu de nova fofoca descoberta em distantes pontos, sejam estes no longínquo Roraima ou em qualquer outro local do País, sempre foi propagado com celeridade impressionante. E veja que isso já ocorria nos primórdios – início do século passado –, quando ainda sequer existia a internet dos dias atuais, essa inovação que dá asas à comunicação, fazendo com que um fato que ocorra do outro lado do Mundo seja visto e entendido em detalhes por aqui, em tempo real.
Aquela potente comunicação boca a boca ensejava com grande competência o que ficou conhecido como “corrida do ouro”. Não demorava muito e os lugares sobre os quais se anunciava existir ouro ou diamante tornavam-se verdadeiros formigueiros humanos. Foi assim em Serra Pelada, no Pará; foi assim em Sinop, no Mato Grosso; e não poderia ser diferente em Roraima.
Quem viveu a alvorada da lavra manual por volta das décadas de 1930 e 1940 do século passado em terras deste setentrião nacional fala de episódios pitorescos – e outros nem tanto – envolvendo a garimpagem, ou seja, garimpeiros e agenciadores de grotões. Histórias que, em alguns casos, chegam a tangenciar a bizarrice, no sentido pejorativo do termo.
Um destes relatos diz respeito à determinada família tradicional, dona de extensos latifúndios no hoje municí-pio de Amajari, local em que pedras de diamante in natura abundavam como areia na praia. Isso, es-pecialmente na Serra de Tepequém.
Para o clã, respeitado de Norte a Sul do então Território Federal, o que importava mesmo eram as pedras que apresentavam valor expressivo de mercado, desprezando-se, assim, toda e qualquer pepita de somenos importância, os subvalorizados xibius.
Contam os mais velhos que os patriarcas desse clã tripudiavam sobre a generosa lavra do Tepequém a ponto de carregar a chumbeira inúmeras vezes ao dia, usando xibius em lugar de chumbinhos. E apertavam o gatilho mirando alvos nada convencionais.
Esse particular, no entanto, e com toda razão, não foi confirmado pelos descendentes da dita família, o que nos obriga a pular os pormenores. Sentiram-se ofendidos com o simples ventilar do assunto. Em seu lugar, preferimos então citar aqui a versão que nos foi por eles repassada.
Ou seja: apertavam o gatilho da chumbeira, ao léu, cano voltado para o infinito, e ao brado de:
-- Vão se criar (os xibius), pois lá na frente quando estiverem crescidinhos tornaremos a nos encontrar!
Qualquer um que tenha vivido em Roraima nos anos 1980 guarda na memória pelo menos uma história de garimpo. Seja ela de experiência própria, enfiando-se nos baixões e vivendo na carne as agruras que a profissão de garimpeiro impõe a quem a ela se dedica – e haja sofrimentos! –, ou pelo menos de ouvir falar, ter mantido contato social ou mesmo comercial com um garimpeiro, enfim...
Este livro pretende discorrer sobre essas histórias, ou, se preferir o leitor, sobre os “causos” em que não pode faltar uma bateia e uma pá como atrizes coadjuvantes. A minha história, em particular, enquadra-se na primeira alternativa, a daqueles que foram lá, que viveram o dia a dia do metier.
Antes, preciso assegurar ao leitor que, mesmo sem se perceber qualquer tendência telúrica de minha parte, os relatos a seguir são verdadeiros. Quase inverídicos, mas, garanto: eu, eu mesmo, fui lá. E nem precisamos confirmar com a Terta (1).
Um comentário:
Prezado senhor Francisco
Foi com alegria que encontrei este trabalho sobre garimpos pq estou escrevendo sobre o tema que foi meu trabalho de dissertação no Curso de Mestrado, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/UFPA. Preciso saber onde encontrar esse livro "Histórias de Garimpo" relacionados com Roraima.
Atenciosamente, aguardo informações,
Walter Wanderley Amoras,
E-mail: wwamoras@ufpa.br e wwamoras@gmail.com
Fones: 91 3224 3495
91 99981 5228
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