terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Viva a modernidade!

Por Francisco Espiridião

Pode parecer absurdo, hoje, mas houve um tempo em que a Polícia Militar roraimense servia alimentação preparada à tropa. Eram cozinhas diferenciadas. Tempo da ignorância. A de oficiais e sargentos servia um tipo de comida, chamada “melhorada”. Regada a refrigerantes e coisas do gênero. Já a dos cabos e soldados...

A discriminação era tamanha que até o local onde os militares faziam suas refeições tinha nome distinto nos três círculos – oficiais, subtenentes e sargentos e cabos e soldados. Sei lá... Naquele tempo era tudo estranho. Os dois primeiros círculos eram servidos em cassinos. Cassino de oficiais e cassino de subtenentes e sargentos.

Nada a ver, porém, com a definição clássica do Aurélio. Nada de jogo de carteado para quatro parceiros, nada de casa de diversões, com salões para jogos de azar e salões de festas com espaço para danças, representações teatrais etc.

Cassinos, nesse caso, eram apenas locais específicos – bem aprazíveis, por sinal. No almoço, servia-se sempre alimentação, como consta acima, refinada. Havia militares desviados da função precípua e empregados como garçons. Alguns extrapolavam em suas obrigações. Desse subexpediente surgiram muitas promoções. De soldado raso a cabo. De cabo a sargento...

Já para cabos e soldados... Para estes, a avacalhação começava pelo nome do local: ao invés de cassino, “rancho”. Rancho de cabos e soldados. Vinha daí o epíteto “boca de rancho”. Aquele que fugia do local de trabalho antes de a corneta tocar fim de expediente, e buscava um bom lugar na fila, à espera do toque de “avançar”. 

Em vez de cadeiras e mesas formais, como em qualquer restaurante – até naqueles da periferia –, existiam bancadas extensas com extensos bancos. Para dar o sentido de coletividade. Aquele momento era de uma camaradagem indizível. Familiar. Para se ter ideia, havia trocas naturais. “Toma esse pedaço de asa e me dá esse pescoço aí; toma esse pé e me dá essa asa...”

O cabo e o soldado só tinham direito de comer em prato com talheres em casa. No quartel, bandejão – daí o cognome “bandeco”. Para melhor situar o leitor, o direito do soldado lia-se num papel em branco. Soldado era um ser estranho. Superior ao tempo (chuva, borrasca...) e inferior a m... , diziam os superiores hierárquicos. 

Enquanto nos dois cassinos serviam-se bife acebolado, frango à milanesa e outros quitutes (perdoem-me o palavrão, quitute... mas era assim que se falava na década de 80 do século passado), no rancho, o que rolava era o famoso galeto – que a maioria da soldadesca conhecia por outro nome que não convém repetir aqui. “Eu estava comendo a minha ... quando...”. Quase sempre na água e no sal. Boi ralado sem colorau costumava também frequentar o insosso cardápio.

Ainda bem que tudo isso é passado. Hoje, os tempos são outros. A caserna se humanizou. O PM já pode até fazer greve... E, para mostrar que não se trata de história para inglês ver, todos os policiais militares – do coronel ao soldado mais moderno – recebem o mesmo valor em espécie para suprir a alimentação. Os cassinos e os ranchos sumiram no tempo e no espaço. Pelo menos, na PM roraimense. É um bom começo.

Viva a modernidade!

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