quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O STF a um voto de uma desmoralização sem precedentes. Ou: O Espectro da impunidade ronda o país. Ou ainda: Lembrando o que disse Celso de Mello

Celso de Mello: há uma boa chance de que seja ele a decidir. Que se inspire nas próprias palavras e nas leis

Por Reinaldo Azevedo

Tudo aquilo que habitualmente se diz nas ruas sobre a Justiça injusta do Brasil; tudo aquilo que assegura o senso comum sobre a impunidade dos poderosos; todas as generalizações mais duras sobre uma Justiça muito ágil em punir pobres e pretos; mesmo os preconceitos mais injustificados, fundados, muitas vezes, na ignorância de causa… Tudo isso, enfim, está prestes a se confirmar nesta quinta-feira. O Supremo Tribunal Federal, a corte máxima do país, está a um passo de uma desmoralização sem precedentes, que escarnece do povo brasileiro, que ignora as suas esperanças, que faz pouco caso de seu senso de proporção e justiça. Não! Já não há massas nas ruas — a rigor, da forma como se noticiou, nunca houve (mas esse é outro assunto). No Sete de Setembro, as praças foram tomadas por vândalos. Nesta quarta, não havia uma só faixa de protesto nas proximidades do tribunal. As esquerdas todas, como se nota, se recolheram. Para elas, agora, interessa o silencio fúnebre; querem enterrar sem solenidade a chance histórica que tem a Corte máxima do país de afirmar que o crime não compensa. Pior: há uma possibilidade, dados os elementos que se esboçaram nesta quarta, de a tragédia receber a chancela de Celso de Mello, o decano do Supremo, justamente aquele que foi, nos meios, a mais perfeita tradução da sensatez, mas também da indignação justa, pautada pela letra da lei. Terá sido, assim, um gigante nos meios, mas para selar um fim melancólico. Não, senhores! Eu não estou cobrando, e jamais o fiz, que o Supremo ignore a força da lei. Ao contrário: o que se pede é que a cumpra.
Aqui cabe uma ressalva, e respondo também a um querido amigo, especialista na área. É claro que a existência ou não dos embargos infringentes não é uma questão incontroversa, como dois e dois são quatro. Fosse, juízes para quê? É perfeitamente possível argumentar em favor da sua validade. Mas não são menos fortes os argumento — ao contrário: são mais fortes, mais definitivos e mais afinados com o objetivo último da justiça criminal, que é desagravar a parte ofendida e punir quem cometeu delito (ou não é?) —  que asseguram que o recurso, previsto no Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo, está extinto. Digamos que o tribunal esteja entre dois caminhos, ambos amparáveis em textos legais. Cumpre, então, que se faça uma escolha a partir de uma pergunta, vá lá, de natureza teleológica: qual deles torna a justiça mais justa? Qual deles se afina mais com o espírito da lei? Qual deles serve com mais eficácia à harmonia social, à punição dos culpados e a uma resposta reparadora aos justos?
Qual, ministro Barroso?
Qual, ministra Teori?
Qual, ministra Rosa?
Qual, ministro Toffoli?
Qual, ministro, Lewandowski?
E vamos ver se haverá mais um nome nesta lista. Se os dois caminhos encontram acolhida em textos legais, é preciso que indaguemos aos ministros e que também eles se indaguem por que razão estão lá, com que propósito, com que finalidade, atendendo a que mandamento, a que princípio. Então é preciso que perguntemos com clareza e que eles também se perguntem com igual verdade: a que senhor servem os 11?
Os argumentos já estão todos postos. Já foram devidamente esmiuçados. Não pretendo voltar a eles, senão para, com a devida vênia, apontar algumas ideias francamente fraudulentas — porque ardilosas e indutoras do engano e da falácia — que se ouviram ontem no tribunal. Sustentar que os embargos infringentes servem como um duplo grau de jurisdição é uma trapaça melancólica. A ser assim, se vale para os 12 que teriam direito aos infringentes, por que não aos demais? Por esse caminho, o julgamento recomeçaria do zero.
De resto, chega de mistificação! Chega de ficarem brandindo o tal Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) como se ali estivesse o “magister dixit” do chamado “duplo grau de jurisdição. Que diabos, afinal, diz o tal pacto? Transcrevo o Artigo 8º, que é justamente o das garantias judiciais (em azul):
Artigo 8º – Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.
Voltei
Reparem na “alínea h” do item 2. Ali se diz que toda pessoa tem direito de recorrer da sentença a tribunal ou juiz superior. É? E como ficam as ações de competência originária do STF? Existe algum juiz ou instância superior? Que órgão haverá de funcionar como o Supremo do Supremo? O próprio Supremo, desde que com uma nova composição, mais favorável aos réus? Tenham paciência!
Cadê o precedente?
Afirmar, da mesma sorte, que ministros do tribunal, os de agora e os de antes, já se debruçaram sobre o mérito da questão e que há precedentes assegurando a existência dos infringentes é outra mentira escandalosa. Como resta sabido e evidente, é a primeira vez que o STF se confronta com a questão. Assim, não há precedente nenhum. No máximo, há fragmentos de fala, caracterizando os chamados “obter dicta” — considerações laterais de juízes, sem importância no julgamento — dos quais se pode deduzir isso ou aquilo. Precedente não há!
Regimento com força de lei?
Ainda que o Regimento Interno do Supremo tivesse sido mesmo recepcionado com o valor de lei pela Constituição — faz-se tal dedução com base no que havia na Constituição anterior (a menos que me mostrem onde isso está escrito na Carta), o fato é que a Lei 8.038 regulou tudo o que os legisladores quiseram e acharam conveniente sobre processo penal de competência originária dos tribunais superiores, e não se diz uma vírgula sobre embargos infringentes. O máximo que se encontra na Constituição, no Artigo 96, é isto:
Art. 96. Compete privativamente:
I – aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
Haja largueza interpretativa para considerar que isso autoriza a sustentar que o Regimento Interno continua com força de lei.
Sem prazo para acabar
Entendam. O que o Supremo está a decidir é se são cabíveis ou não os embargos infringentes — ou, por outra, se o recurso sobrevive ou não no regimento. Ainda não são os embargos propriamente, compreenderam? Caso se considere que sim, aí, meus caros, só o diabo sabe o que pode acontecer. O Parágrafo único do Artigo 333 estabelece:
“Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”
Não se especifica que tipo de voto, basta que seja “divergente”. Assim, é enganoso supor que recorreriam ao expediente apenas os 12 que tiveram quatro condenações. Abrem-se as portas para questionar também, podem apostar aí, a dosimetria das penas — bastará que alguém tenha tido quatro votos em favor de uma pena mais branda. Ainda que venham a ser recusados, pouco importa. O fato é haverá uma tempestade de recursos sobre o tribunal. E, como a gente sabe, há ministros por lá que não têm pressa, não é mesmo? Não fiz o levantamento, mas deve haver muitos casos.
Não, senhores! Não é descabido supor que mesmo a atual composição do STF poderia mudar sem que se concluísse o processo. Se não se aposentar antes, Celso de Mello deixa a corte em novembro de 2015; Marco Aurélio, em julho de 2016. Deliro? A dita Ação Penal 470 foi aceita pelo Supremo em agosto de 2007. Estamos em setembro de 2013. Se duvidar, Teori e Rosa saem (em 2018), com o processo em andamento. Lewandowski, o homem sem pressa, assume a presidência da Casa em novembro do ano que vem.
Encerro
Encerro este texto com algumas frases do ministro Celso de Mello:
“Isso [o mensalão] revela um dos episódios mais vergonhosos da história política de nosso País, pois os elementos probatórios expõem aos olhos de uma nação estarrecida, perplexa e envergonhada, um grupo de delinquentes que degradou a trajetória política”
“O poder tende a corromper. E o poder absoluto corrompe absolutamente”, citando Lord Acton
“Entendo que o MP expôs, na denúncia que ofereceu, eventos delituosos impregnados de extrema gravidade e imputou aos réus ações moralmente inescrupulosas e penalmente ilícitas que culminaram, a partir de um projeto criminoso por eles concebido e executado, num verdadeiro assalto à administração pública, com graves e irreversíveis danos”.
Que Celso de Mello inspire Celso de Mello!
Por Reinaldo Azevedo

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