Por Francisco Espiridião
Falar da morte é sempre algo difícil. E falar da de um amigo, mais cruciante ainda. Meu pai, Sylvio Chagas, morreu em 2009, antes de completar 97 anos de idade. Saudável a toda prova até uma semana antes de seu coração resolver que era hora de dar por encerrada a sua missão na terra dos viventes. Foi parando aos poucos.
Seu Sylvio dizia sempre que a longevidade tinha um quê de
ingratidão: a viagem de volta dos amigos, um a um, o deixava obliteradamente
solitário. E ele tinha razão. A cada amigo nosso que adentra a fria e escura
noite é como se um pedaço de nós também esteja se despedindo.
Esta semana, a família policial militar roraimense perdeu um
de seus mais alegres e divertidos membros. Antônio Varlindo Lima dos Reis,
subtenente PM da Reserva Remunerada, sucumbiu a um câncer que o exauria havia
cerca de um ano, deixando-o magérrimo a ponto de não o reconhecermos.
Conheci o Varlindo no longínquo 1977, quando começamos a
prestar as várias etapas do concurso público para sargento da Polícia Militar
do extinto território federal. Paraense de Bragança, recentemente ele havia
dado baixa do Exército Brasileiro. Lá, havia chegado à graduação de cabo
temporário.
Serviu num ambiente de muita adrenalina, Xambioá, no Pará,
no período em que a conhecida guerrilha do Araguaia estava em seu auge. Tempos
em que o regime militar dava as cartas no País. O impoluto e hoje condenado
José Genoino diz ter sido seviciado pelos agentes do “sistema” nessa mesma
época.
Mas o Varlindo que eu conheci estava longe de guardar qualquer
paranoia de guerra ou mesmo de guerrilha. Era um companheirão. Expansivo,
alegre, conseguia jogar qualquer um para cima, não importando quão down
estivesse o interlocutor. Tinha sempre uma piadinha a nos desmanchar em risadas.
Convivemos por um ano inteiro (1978) num alojamento do 4º
Batalhão PM, na avenida Mister Hall, em Fortaleza (CE), onde ocorriam as
brincadeiras mais divertidas e incontáveis. Umas boas, outras jocosas, outras
ainda de fazer raiva, como a de se amarrar um gato vivo dentro do travesseiro
do outro. Tempos bons aqueles da nossa juventude.
Mas Varlindo tinha lá suas idiossincrasias (parece que já
não se usa mais essa palavra, né?). Jamais alguém o viu dentro de uma calça
jeans. Dizia que era vestuário de malandro. Ele se considerava um cidadão de
primeira, sem, contudo, discriminar quem o fizesse. Mas, sério. Quando à
paisana, era sempre visto de calça social, além de outras esquisitices.
Muitos passam por esta vida em brancas nuvens e em plácido
repouso adormecem, como disse o poeta. Esse, no entanto, não terá sido o caso de
Varlindo. Levado a expor, vez em quando, sua veia poética, ele fez algo por que
será eternizado. Compôs a linda canção que exalta a “Guardiã da vanguarda
brasileira”.
Em 1984, contrariando a convicção de muitos, ele decidiu
entrar com tudo no concurso que escolheria o Hino da Polícia Militar de Roraima.
Saiu-se vencedor do certame. Hoje, todos os que envergam – ou envergaram – a
azul petróleo, como eu, sentem arrepios ao entoar ou mesmo ouvir ser entoados
marcantes versos como: “Às margens do rio Branco, um povo leal descansa” sob a
proteção da mais ética Polícia Militar do Brasil.
Segue em paz, amigo!