segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Aqui falta tudo



Por Francisco Espiridião

PORLAMAR (VE) – A vizinha Venezuela vive dias de extrema dificuldade. Para todos os lados há gente descontente. Aqui, na principal cidade da Ilha de Margarita, em todos os recantos só se ouve queixas. Com quem se conversa, sejam motoristas de praça, pequenos comerciantes – que se autodenominam bodegueiros –, o povo na rua, a batida é uma só: lamúrias de que não existe governo. “O que hay és desgobierno”.

Muitos compatriotas dizem que seu presidente é um “porralouca analfabeto”. Um motorista de “autobús” (ônibus) que sequer completou o ensino primário. Dizem que o primeiro mandatário não sabe sequer falar corretamente. Apesar de aparentar desenvoltura com a língua, isso fica apenas na aparência. Só consegue influenciar quem não tem qualquer intimidade com o vernáculo local. Enfim, não sabe governar.

As manchetes dos jornais locais desta quinta-feira (23) expuseram a cruciante situação dos portuários, que estão perdendo o emprego por falta do que fazer. As importações, que antes alimentavam o efervescente comércio local, especialmente nas altas temporadas, quando o que não falta é turista, vivem atualmente o seu pior momento.

Isso tudo numa ilha que é zona de “puerto libre”, o que chamamos no Brasil de Zona Franca, ou Área de Livre Comércio. Em outros tempos, desembarcavam no porto internacional caribenho todos os tipos de materiais, vindos dos diversos pontos do mundo. Além das bugigangas chinesas, equipamentos de alta tecnologia, que eram vendidos a preços acessíveis.

Hoje, Margarita está longe de ser aquele paraíso para quem pretende adquirir um bom computador. Em busca de um notebook, eu estive em dois “centros comerciales”, como são chamados aqui os shoppings, e não consegui encontrar em nenhuma das lojas especializadas em importados. A resposta é sempre a mesma: “No tiene”.

O jornal Diario de Caribazo, informou em manchete, nessa quinta-feira, que apesar de chegar cimento, o governo não permite que os “insulares” (moradores da ilha) comprem mais que dois sacos cada um nas chamadas “ferreterías” – lojas de materiais de construção.

Enquanto a Eliana escarafunchava uma loja de roupas, na principal avenida do comércio, a 4 de Mayo, chegou um menino trazendo duas sacolas contendo coisas que, diante do olhar embevecido da dona do estabelecimento, parecia uma preciosidade.

Eram duas sacolas contendo oito rolos de papel higiênico cada. Havia muito aquela senhora, apesar de dispor de recursos, não sabia o que era um rolinho apenas.

Aqui falta quase tudo. O que mais tem nos supermercados – los bodegóns – é sabão. Ao lado do hotel onde estamos, tem um bodegón. Pequeno bodegon. O dono disse que daqui a pouco todos os venezuelanos serão obrigados a se vestir de vermelho – rojo.

Ele me fez uma recomendação: “Quando vocês, brasileiros, vierem para cá, tragam carne, farinha, leite…”. Parece brincadeira, mas a situação leva a isso, mesmo. Uma senhora, em um supermercado, me disse que sente dificuldade para alimentar os filhos pequenos. Há mais de dois meses que ela não encontra leite nas prateleiras.

A exemplo do papel higiênico, leite é mesmo artigo de luxo. No “desayuno”, fica exposto todo tipo de alimento para os hóspedes do hotel se servirem à vontade. Mas o leite, de vez em quando é que uma garçonete aparece, com um bule, servindo quase que a conta-gotas. Mas a maior reclamação é a falta da farinha para a arepa. 

Um horror.

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