quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Segue em paz, amigo!


Por Francisco Espiridião

Falar da morte é sempre algo difícil. E falar da de um amigo, mais cruciante ainda. Meu pai, Sylvio Chagas, morreu em 2009, antes de completar 97 anos de idade. Saudável a toda prova até uma semana antes de seu coração resolver que era hora de dar por encerrada a sua missão na terra dos viventes. Foi parando aos poucos.


Seu Sylvio dizia sempre que a longevidade tinha um quê de ingratidão: a viagem de volta dos amigos, um a um, o deixava obliteradamente solitário. E ele tinha razão. A cada amigo nosso que adentra a fria e escura noite é como se um pedaço de nós também esteja se despedindo.

Esta semana, a família policial militar roraimense perdeu um de seus mais alegres e divertidos membros. Antônio Varlindo Lima dos Reis, subtenente PM da Reserva Remunerada, sucumbiu a um câncer que o exauria havia cerca de um ano, deixando-o magérrimo a ponto de não o reconhecermos.

Conheci o Varlindo no longínquo 1977, quando começamos a prestar as várias etapas do concurso público para sargento da Polícia Militar do extinto território federal. Paraense de Bragança, recentemente ele havia dado baixa do Exército Brasileiro. Lá, havia chegado à graduação de cabo temporário. 

Serviu num ambiente de muita adrenalina, Xambioá, no Pará, no período em que a conhecida guerrilha do Araguaia estava em seu auge. Tempos em que o regime militar dava as cartas no País. O impoluto e hoje condenado José Genoino diz ter sido seviciado pelos agentes do “sistema” nessa mesma época.

Mas o Varlindo que eu conheci estava longe de guardar qualquer paranoia de guerra ou mesmo de guerrilha. Era um companheirão. Expansivo, alegre, conseguia jogar qualquer um para cima, não importando quão down estivesse o interlocutor. Tinha sempre uma piadinha a nos desmanchar em risadas.

Convivemos por um ano inteiro (1978) num alojamento do 4º Batalhão PM, na avenida Mister Hall, em Fortaleza (CE), onde ocorriam as brincadeiras mais divertidas e incontáveis. Umas boas, outras jocosas, outras ainda de fazer raiva, como a de se amarrar um gato vivo dentro do travesseiro do outro. Tempos bons aqueles da nossa juventude.

Mas Varlindo tinha lá suas idiossincrasias (parece que já não se usa mais essa palavra, né?). Jamais alguém o viu dentro de uma calça jeans. Dizia que era vestuário de malandro. Ele se considerava um cidadão de primeira, sem, contudo, discriminar quem o fizesse. Mas, sério. Quando à paisana, era sempre visto de calça social, além de outras esquisitices.

Muitos passam por esta vida em brancas nuvens e em plácido repouso adormecem, como disse o poeta. Esse, no entanto, não terá sido o caso de Varlindo. Levado a expor, vez em quando, sua veia poética, ele fez algo por que será eternizado. Compôs a linda canção que exalta a “Guardiã da vanguarda brasileira”.

Em 1984, contrariando a convicção de muitos, ele decidiu entrar com tudo no concurso que escolheria o Hino da Polícia Militar de Roraima. Saiu-se vencedor do certame. Hoje, todos os que envergam – ou envergaram – a azul petróleo, como eu, sentem arrepios ao entoar ou mesmo ouvir ser entoados marcantes versos como: “Às margens do rio Branco, um povo leal descansa” sob a proteção da mais ética Polícia Militar do Brasil.

Segue em paz, amigo!

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