domingo, 22 de junho de 2014

Criando monstros

Por francisco Espiridião

Este assunto era para ter sido abordado na semana passada, quando a presidente Dilma Rousseff sancionou a chamada Lei da Palmada, que proíbe os pais de disciplinarem os filhos da forma como lhes convêm, ainda que com castigos físicos moderados, como sempre foi, principalmente na minha infância. Mas não deu.

Meus assessores decidiram por unanimidade que o assunto Convenção 169 da OIT era mais urgente. E assim foi. Mas, como quem manda nesta bargaça sou eu, decidi, então, abordá-lo hoje, ainda que tardiamente. Mas, atenção! Por estar com uma semana de atraso, o assunto não deixa de ser pertinente.

Então, vamos lá. A Lei da Palmada, também conhecida como Lei Bernardo, é um ato totalmente desnecessário. Ocuparam o Congresso, que tanto tem para fazer, com algo inócuo. Perderam tempo com mais uma lei que tem tudo para não pegar. Não porque o povo brasileiro seja insurrecto, mas pela situação e contexto social em que ela surge. A pergunta é: “Para quê?”

Se é para proibir os vexames a que foi submetido o menino Bernardo Uglione Boldrini, lá em Três Passos, Rio Grande do Sul, morto pela madrasta e, sabe-se lá, com a aquiescência do próprio pai, aí carece de honestidade. Sim, porque para se proibir abusos dessa natureza, o que mais existem neste país  são leis, decretos e até o Estatuto da Criança e do Adolescentes, o tal do ECA, sem qualquer conotação de nojo.

Se é para mostrar serviço, falhou de novo. Existem tantas outras áreas em que o Estado precisava estar atento. A saúde, por exemplo, onde as pessoas não deveriam morrer na porta dos hospitais por falta de quem lhes atenda, como ocorreu... bem, deixa para lá. Basta dar uma navegada rápida no bendito Google que se descobrem centenas de casos Brasil afora. Só nos últimos dois anos.

Mas o que diz mesmo essa tal Lei Bernardo? Nada além do que já se sabe. Ela proíbe que os pais batam na criança ou adolescente até levá-los à morte. Isso é novidade? Se fosse só isso, no entanto, ninguém nem estaria dando bolas para ela. Porque o Código Penal é mais do que suficiente para reger a matéria.

Porém... Ah, tem um porém, sim. Aliás, a esse porém poderíamos chamar de busílis, calcanhar de Aquiles. Trata-se da radicalidade que a Lei encerra. Se, contrariando a Bíblia Sagrada, o ECA proíbe que os pais orientem os filhos quanto à necessidade de se tornarem pessoas trabalhadoras e honestas quando crescerem, porque é de pequeno que se torce o pepino, a Lei Bernardo nada mais é que o Estado arrombando a porta da nossa casa. O Estado paternalista. Ditando normas de como devemos criar nossos filhos.

A escritora Lya Luft, em Veja desta semana, aborda a questão do respeito e autoridade. Coisas, aliás, que muita gente já não tem a menor ideia do que sejam. Ela diz, em sua crônica:

– Nem sempre é possível tratar com uma criança enfurecida ou um adolescente confuso, e uma dose amorosa de rigor pode pôr as coisas de novo em ordem, aliviando a situação.

Dona Lya Luft, ainda bem que a senhora já não tem mais filhos pequenos nem adolescentes. Senão, a senhora estaria incorrendo na quebra da Lei Bernardo. Um dos preceitos da tal lei diz que “o adolescente e a criança têm direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel.” Castigos físicos, todos sabemos o que é. Mas ‘tratamento cruel’, a lei explica: “É a conduta que humilhe, ameace ou ridicularize a criança ou o adolescente.”

– Vai tomar banho, menino, você está parecendo um sujismundo! – tratamento cruel. Aí está inserido dois componentes da Lei: a humilhação e ridicularização da criança.

– Opa, chega de televisão. Já são 11h (23h). Vá escovar os dentes e cair na cama, já! – uso autoritário. Isso é considerado uma ameaça. Não pode.

Enfim, a partir do ECA, em consonância com a Lei Bernardo, estaremos criando feras. Em outras palavras, nossas crianças vão crescer pós-graduadas em dar trabalho à Polícia.

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