quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O templo-móvel

Por Francisco Espiridião

O templo estava longe de ser um daqueles suntuosos que se proliferam país afora. Era mesmo uma casinha humilde, quase uma choupana. Ambiente único que, garantidamente, não superava os 20 metros quadrados de área. A cobertura era de palha de inajá. As frágeis paredes, de tábua. Mas nada de madeira de lei. Estavam mais para refugo – peças que, por defeitos de fabricação, não têm aceitação no mercado.

O que importa, porém, não é o exterior, e sim o interior. O fervor dos poucos irmãos que ali se reuniam era algo insofismável. O louvor tinha um quê de angélica harmonia, verdadeira doxologia (ritmado louvor a Deus). Sem dúvida, a busca de Deus naquele local continha a ênfase recomendada pelo profeta Jeremias: “Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração.” (29.4). E nós, verdadeiramente, achamos o Senhor.

Nos intervalos dos louvores, sempre um irmão ou irmã se levantava na ministração da Palavra, profetizando a verdadeira vontade de Deus para seus filhos ali presentes. Oh, Deus! Como eram gratificantes aqueles instantes. Algo parecido com a situação que levou Pedro, extasiado com a magnitude da presença do Senhor no monte, a exclamar: “Mestre, bom é estarmos nós aqui... sem saber o que dizia.” (Lucas 9.33). Momento de verdadeira catarse (purgação de pecados, purificação, limpeza).

Em determinado momento, em meio a tamanho transe, próprio das denominações pentecostais (ou neo), a casa (templo) se desprende do chão e começa a se deslocar a uma velocidade um tanto preocupante. Sai do terreno e ganha, como se rodas tivesse, o leito da rua, cuja largura não excedia um ou dois metros de cada lado do templo.

Enquanto se deslocava, os irmãos não se alteravam em sua forma de louvar e engrandecer a Deus e ao Cordeiro. Entre os irmãos presentes, tenho a nítida impressão de que estavam a Eliana, minha esposa, e a minha amiga e irmã em Cristo Eudiene Martins, antiga colega de trabalho nos extintos jornais De Roraima, O Diário e BrasilNorte.

Depois de curto espaço de tempo de deslocamento, olhei pela porta principal e eis que se levantava, em toda a largura da rua, uma alta e espessa barreira como de ferro ou outro metal mais resistente. Aí, meu lado humano falou mais alto (tive medo). No meu íntimo, ao chocar-se com a parede impermeável, o templo-móvel iria se desintegrar, transformando-se em farinha, e todos nós estaríamos na Glória.

Qual nada! Ao aproximar-se da aparentemente inacessível parede, o templo-móvel a atravessa como se estivesse transpondo uma mera sombra. Alívio total! Continuamos em nosso exercício de louvor e ministração da Palavra. Mesmo assim, não pude furtar-me de notar, agora, um novo ambiente que se formava à nossa frente.
A vista panorâmica lembrava em muito a bucólica região de Tepequém, com alguns montes quase à mão. Transmitia uma paz inequívoca. Algo de enlevar o espírito. Comecei a desconfiar que estivéssemos no Paraíso. Essa, sensação, no entanto, não durou muito. Ao nos deslocarmos – ainda dentro do templo-móvel – um pouco mais além da ultrapassada parede, começamos a sentir a paz sendo quebrada.

Alguns estabelecimentos desbotavam aquele visual paradisíaco. A música – totalmente devassa – que deles se evadia, ganhando todos os ouvidos, denunciava o tom do ambiente. Algo parecido com os extintos lupanares dos anos 80, localizados em vários pontos da periferia de Boa Vista. (Como eu sei? Na época, eu era sargento da PM e comandava patrulha móvel por toda a cidade).

Sem qualquer explicação, o templo-móvel estaciona na frente do primeiro estabelecimento. E, com toda a ênfase com que louvávamos ao Senhor Jesus internamente, passamos a fazê-lo externamente. Ao adentrarmos o primeiro estabelecimento, passamos a conclamar que só o Senhor Jesus salva, que não há outro nome dado entre os homens pelo qual se pode alcançar a salvação eterna.

À medida que pregávamos, as pessoas deixavam de lado as suas garrafas e copos de cerveja e outras bebidas fortes e, como que num passe de mágica, aderiam à louvação, dizendo-se também lavadas pelo sangue do Cordeiro. Em seguida, entravam no templo-móvel, misturando-se aos primeiros adoradores. Essa prática repetiu-se nos demais estabelecimentos. Não me perguntem como um espaço tão pequeno foi capaz de acomodar tanta gente.
Aí eu acordei. Pensativo, como estou até agora.

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