sexta-feira, 9 de maio de 2014

Pegando estrelas com as mãos



Francisco Espiridião

Dia desses, li matéria jornalística em que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, dizia que há no País “uma intolerância enorme para tudo o que seja diferente” e que “não adianta querer ser livre e abrir mão de pensar”. Ou seja, dizer que é livre e não pensar, para ela, é uma estrondosa (estrondosa aqui é por minha conta e risco) controvérsia.

Logo abaixo da matéria, fazendo parte da lista de comentários, leio o de Elionard Teixeira Jales Jales, que se identifica como “Diretor executivo na empresa Consulte & Conte Contabilidade Ltda”. Dizia textualmente:
“As normas estabelecidas devem ser respeitadas. Educação é também isto. O que existe é um Parlamento ruim, desqualificado e um Executivo nojento, manipulador, com visão autoritária e monopolista. Faltam qualidades e qualificação em nossos representantes.”

Daí, comecei a pensar. Afinal, pensar, ainda que numa funhanhenta ditadura, é exercício perfeitamente possível, desde que o objeto pensado permaneça no mais recôndito do pensador. Não é obrigatório externar. Millor Fernandes já dizia que “livre pensar é só pensar”.

Mas, como eu dizia, comecei a pensar nas palavras escritas pelo comentarista da matéria intitulada “Ministra denuncia ‘intolerância’ no debate sobre liberdade”, divulgada no online do jornal Estado de São Paulo (29abr2014).

“O que existe é um parlamento ruim, desqualificado.” Concordo plenamente. Muita coisa que tem saído das entranhas do Poder Legislativo é mesmo monstruosidade a la Leviatã. Capaz de aterrorizar.

“Um Executivo nojento, manipulador, com visão autoritária e monopolista”. Sem querer generalizar, reduzo a “muitos casos” aqueles em que esses adjetivos soam como elogio, dado o nível de perversidade instalada nos intestinos de algumas instituições.

“Faltam qualidades e qualificação em nossos representantes”. Concordo ipsis litteris com mais estas premissas. Não se concebe que hoje, em plena era da informática, fique-se de três a quatro horas, com uma senha nas mãos, esperando para ser atendido em qualquer órgão público.

O ilustre membro da Consulte & Conte Contabilidade Ltda tem razão ao expor a “problemática”. Mas esqueceu-se de pequeno detalhe: não estabeleceu a “solucionática”, como diria Nenem Prancha, roupeiro, massagista, olheiro e técnico do futebol brasileiro. “O Filósofo do Futebol”.

Elionard Teixeira Jales Jales esqueceu-se de pôr no grande caldeirão dos desvarios sua excelência o povo brasileiro. Se o Parlamento é “ruim e desclassificado”, quem, afinal, o criou senão o povo brasileiro, escolhendo a dedo, um a um, os seus membros via voto direto?

Se o Executivo é “nojento, manipulador, com visão autoritária e monopolista”, quem foi que criou a cobra para lhe picar senão o próprio povo brasileiro? Volta-se aqui para três questões fundamentais: educação, educação e educação.

Enquanto a educação estiver relegada a um segundo plano, o povo brasileiro continuará, como disse a ministra Cármen Lúcia, querendo ser livre, sem, contudo, primar pelo livre pensar, o que, no frigir dos ovos, é tremenda contradição.

Enquanto a cultura de diminuir o professor em sala de aula, tirando-lhe a autoridade diante dos “queridinhos do papai e da mamãe”, verdadeiras feras indomadas, o Brasil continuará patinando em terreno enlameado. Com direito só de olhar o Primeiro Mundo de longe, como quem quer pegar a estrela com as mãos.

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