Por Francisco Espiridião
Acabo de acabar de ler uma das obras mais impressionantes
que já tive sob meus olhos nestas décadas de vida. A saga dos Buendia, parida
pelo laureado escritor colombiano Gabriel García Marquez nos idos dos anos
1960. A obra tem um enredo que, dizendo, não se tem como acreditar que tudo
possa ter nascido na imaginação de uma só pessoa.
“Cem anos de solidão” encerra um intrincado conjunto de
atitudes, formado por cenários humanos, alguns efetivamente vivenciados,
outros, factíveis apenas no mundo virtual. Mesmo fantasmagóricos, são fortes a
ponto de imprimir credibilidade aos relatos.
Ao final, esse conjunto compõe peça única, onde todas as
peculiaridades se encaixam como luva, numa sincronia verossímil a ponto de
mostrar quão infinitas são as facetas do ser humano, que, já dizia Soren
Kierkegaard (1813-1855), é inviável.
Toda a trama começa com o casamento de José Arcádio Buendia
com a prima Úrsula Iguaran. Espantados pela lenda de época, de que o casamento
entre parentes próximos gerava filhos que nasciam com rabo de porco, por um
longo período permaneceram sem consumar de fato o enlace. Uma gracinha sobre
esse assunto gerou um dos fantasmas a acompanhar os homens da família ao longo
das gerações.
Para fugir dess... bem, não vou aqui querer tirar o prazer
de quem se disponha a se aventurar pelas 447 páginas de puro delírio contando aqui
tintim por tintim a saga dos Buendia. Por isso, prefiro continuar essa crônica
contando algumas passagens que me deixaram a pensar. Sim, o livro faz qualquer
leitor vestir a carapuça das personagens, ainda que em algum momento da vida.
Aliás, um dos personagens que mais me impressiona em toda a
obra é Petra Cotes. Aparece lá pelo meio da obra, mas, a partir daí, torna-se
personagem "hors concours". Impossível se desvencilhar dela. Mulher
que nasceu para ser amante. Não qualquer amante, daquelas que buscam apenas se
beneficiar do parceiro como se carrapato, parasita fossem.
Petra Cotes viu o amado casar-se com outra, e teve a
paciência e a grandeza de esperar, em seu canto, o momento certo de poder
desfrutar as benesses da convivência de Aureliano Segundo. Quando este morre,
Petra Cotes passa a suprir com uma cesta de alimentos a cada semana, a viúva do
amado. Muitas vezes isso ocorre com o sacrifício de sua própria provisão.
Para não desnudar muito o enredo, quero aqui frisar que a
saga, que teve início com o amalucado e sonhador José Arcádio Buendia e a prima
Úrsula, mulher forte, matrona das boas, longeva, mais de 150 anos de vida, vai
se passar praticamente toda em um povoado que nasce do nada, dos devaneios do
marido, vive dias de glória e, acaba como começou: no nada.
Enfim, “Cem anos de solidão” mostra que a literatura é “o
melhor brinquedo que já inventaram para zombar das pessoas”. Algo parecido com
o que dizia o sábio catalão: “A sabedoria não vale a pena se não for possível
servir-se dela para inventar uma maneira nova de preparar os grãos-de-bico”.
E os descendentes com rabo de porco, hein? Existiram de
verdade ou foi apenas um referencial para expulsar os patriarcas da família
Buendia para a Macondo do antedilúvio? No clã, ao longo das gerações, onde os
meninos eram batizados como José Arcádio ou Aureliano, e as meninas, Amaranta,
tinha mesmo de aparecer um dia o tal rabo de porco. Ou não. Confiram. Vale a
pena.
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