Isaltino Gomes Coelho Filho*
Vem se tornando comum entre nós chamar quem lida com
Teologia de teólogo. Alguns se autointitulam assim. Dizia alguém a seu próprio
respeito: (as pessoas são tão pouco comedidas ao falarem sobre si!): “Eu sou o
único teólogo batista do Brasil. Os outros são denominacionólogos!” E explicava
sua declaração: “Todos os outros têm a preocupação de apoiar a denominação. Eu
tenho uma postura independente e crítica”. Talvez esta pessoa devesse se
intitular de “pretensiólogo”. Ninguém lhe negaria o título.
O fato de alguém ter feito um curso de bacharel em Teologia
não o torna um teólogo. Como ninguém é um filósofo porque fez um curso de
Filosofia. Um teólogo não é um professor de Teologia, nem quem tenha escrito
livros sobre o assunto. Para que alguém faça jus ao título de teólogo espera-seque
tenha formado corrente de pensamento teológico, que tenha arregimentado
seguidores ao redor de si, desdobrando suas idéias, que tenha deixado marcas no
pensamento teológico mundial. Teólogo não é título que qualquer um pode
reclamar para si. Pode-se aplicar a poucos e não é o reclamante que se dirá um
teólogo, mas alguém dirá isso dele.
Parece que isso tem a ver com o conceito que fizemos de
Teologia. Pensamos nela como “um discurso sobre Deus”. Mas tal conceito é
equivocado. Ele nos permitiria ampliar um conhecido provérbio que passaria a
ser: “De médico, teólogo e louco, todos temos um pouco”. Afinal, todas as pessoas
emitem opinião sobre Deus. Se alguém emitir opiniões sobre o islã, isso não
fará dele um ulemá (teólogo islamita). Da mesma forma, emitir opiniões sobre a
igreja, sobre o Evangelho e sobre a Bíblia não torna alguém um teólogo cristão.
O pretensiólogo citado anteriormente confundia ser teólogo com ser crítico. A
crítica é muito necessária, mas não deve ser confundida com a razão de ser da
teologia. Ser um crítico não é ser um teólogo.
E muita gente hoje, sem retrospecto algum, que jamais levou
alguém aos pés de Cristo, jamais marcou uma vida positivamente com os valores
do evangelho, tem se lançado a criticar a igreja, presumindo estar fazendo
Teologia. Outro dia, numa sala de aula, disse meu irmão carnal, seminarista:
“Vocês só sabem criticar! Quando eu comecei a estudar, fiquei muito interessado
nisso, porque eu nunca tinha ouvido essa posição. Mas já estou no terceiro ano
e vocês continuam a falar as mesmas coisas. Estou farto de palavras. O que
vocês têm feito?”. Os “teólogos” silenciaram.
No livro Recomendações aos Jovens Teólogos e Pastores,
Helmut Thielicke nos deixa algo valioso: “o pensamento teológico só pode
respirar numa atmosfera de diálogo com Deus”. Em outras palavras, a teologia só
pode ser feita em oração. Só pode se aventurar a “teologar” quem tenha vida espiritual.
Gente que não vai à igreja, que não ora, que não estuda a Bíblia, que é
meramente apedrejador do cristianismo, que não o vive, nunca fará teologia.
Isso lembra Kierkegaard: “Só pode criticar o Cristianismo quem seja cristão”.
Alguém insistirá em que “teologia é falar sobre Deus”.
Thielicke lembra que a primeira pessoa a falar de Deus foi
quem formulou a famosa pergunta: “É assim que Deus disse?” (Gn 3.1). No sentido
de ser um discurso sobre Deus, pode-se dizer que o primeiro a fazer teologia
foi o diabo. Um pretendido teólogo não deve falar sobre Deus, mas com Deus e de
Deus aos homens. Quem esteja refletindo sobre Deus terá comunhão com ele. O
teólogo autor do Salmo 139 fez uma primorosa reflexão sobre Deus e prorrompeu em
louvor. Em outros salmos ele proclama seu Deus aos outros. A teologia produz
adoração e proclamação.
Estudos teológicos que produzem enfermidades espirituais são
uma distorção. Estudos teológicos que levam a pessoa para fora da igreja para
apedrejá-la parecem estudos teológicos na linha do autor de “É assim que Deus
disse?”. Não existe teologia sem Deus, sem amor a ele. Não existe teologia sem
amor à igreja e sem compaixão pelos perdidos. Não se refletiu sobre Deus.
Refletiu-se sobre si mesmo, sobre seus valores. Fez-se “egologia”. E há muitos “ególogos”
que se pensam “teólogos”.
Ninguém ensinou mais sobre Deus que Jesus. Ninguém teve mais
comunhão com Deus do que Jesus. Ele foi um autêntico teólogo. Ele podia dizer:
“Meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. Deus não era terceira pessoa,
apenas, para Ele. Era também a segunda. Um pretendido teólogo deve ter condições
de se referir a Deus na segunda pessoa e não somente na terceira. Há pessoas
com conhecimento escasso de Deus emitindo opinião sobre ele. Jó confessou sua
deficiência: “Com os ouvidos eu ouvia falar de ti; mas agora te veem meus
olhos” (Jó 42.5). Jó possuía um conhecimento sobre Deus, mas de segunda mão. Um
pretendido teólogo deve ter um conhecimento real de Deus e não conceitos
assimilados de outros. Jesus mostra, a nós, pretendidos teólogos, alguns
caminhos por onde andar: não apenas falar de Deus, mas falar com Deus; amar o
povo de Deus e não apedrejá-lo; chorar pelos erros da comunidade amada e não,
farisaicamente apontar os erros dela. O pretendido teólogo é assumidamente
igreja. Teólogos sem Deus, sem compaixão, sem amor pelos perdidos, sem amor
pela igreja e sem engajamento numa igreja, não merecem ser pretendidos
teólogos. São livres atiradores contra a igreja, que é o corpo de Cristo.
O Grande Teólogo, homem que ensinou sobre Deus e, acima de
tudo, viveu como Teólogo, viveu com Deus.
Publicado n'O Jornal Batista, 21.04.91, pág. 9 – Transcrito do
site do autor.
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