Por Isaltino Gomes Coelho Filho
Sei que é lugar comum, mas começo por aqui: o cenário evangélico contemporâneo é uma balbúrdia. Inclusive o nosso. Várias razões podem ser aduzidas por pessoas mais gabaritadas que eu. Mas uma razão que me salta aos olhos é o excessivo individualismo de líderes, individualismo que contamina as igrejas. O sistema congregacional, nosso modelo eclesiológico, soa-me biblicamente correto, mas parece-me favorecer o personalismo. O líder se refugia em uma torre de marfim e brada sua autonomia e a de sua igreja (conceitos nos quais creio e que esposo) como uma muralha a objeções aos seus projetos.
É perigoso quando a individualidade se transforma em
personalismo. É difícil ajuntar pastores e igrejas para um bem comum. A
tentativa de trabalho em equipe é problemática. Um exemplo: vemos igrejas que
esperam “providências da denominação” quando algo as incomoda, mas que têm
dificuldades em se perfilar com as demais para promover a denominação. A
autonomia, que é bíblica, se confunde com alheamento. A contrapartida da
autonomia é a cooperação. Que não implica em subordinação, mas em solidariedade.
Igrejas autônomas devem ser solidárias com as demais e com o processo
denominacional. Não é boa a política do “meu jardinzinho” e nada mais fora dele.
É bom e salutar que reafirmemos a autonomia da igreja local, por mais que isto
desagrade a alguns. Mas é extremamente necessário recordarmos a solidariedade
cristã, tanto em nível individual como em nível comunitário. Em nível individual
vemos o apoio dos crentes de Filipos a Paulo (Fp 4.10ss). Em nível comunitário
vemos as igrejas da Macedônia preocupadas com seus irmãos pobres da Judéia (2Co
8).
Muitos problemas surgem quando o líder vê o reino de Deus, em
geral, e a igreja local, em particular, como extensão de seu patrimônio, não
necessariamente material, mas emocional e espiritual. Há pastores que têm
dificuldades em ver a igreja local como tendo autoridade sobre eles. Lutzer, em
De pastor para pastor, após citar Efésios 5.21 (“Sujeitem-se uns aos
outros, por amor a Cristo”), faz o seguinte comentário: “Eu estremeço quando
ouço um pastor ensinando sobre sujeição à autoridade e ao mesmo tempo crendo que
ele próprio é uma exceção à regra. ‘Devo satisfações somente a Deus’ soa
piedoso, mas pode se tornar venenoso” (p. 57). Lutzer tem razão. Principalmente
porque muitas vezes o pastor que assim proclama faz um Deus do seu tamanho. Soa
mais como desculpa para se blindar.
Esta postura pastoral tendente ao personalismo é responsável
por um espírito de competição. Alguns têm dificuldades em se alegrar com as
bênçãos dos outros. A acidez nos comentários sobre o ministério alheio,
infelizmente, não é rara. Não se chega à frase de Sartre, “o inferno são os
outros”, mas fica-se perto: “o céu sou eu”. Se o trabalho não dá liderança nem
visibilidade, muita gente se retrai. Há dificuldades em ser o segundo e mais
ainda em ser anônimo.
O personalismo, embora pareça incongruência semântica, chegou
às instituições denominacionais. Numa conferência teológica da ABIBET falei
sobre o que as igrejas esperam dos seminários. Surpreendeu-me o rebuliço que
causei e as críticas que surgiram. Uma pessoa sugeriu que eu não fosse mais
convidado. Ora, afirmar o primado da igreja local é acacianismo teológico. Toda
a estrutura denominacional existe para beneficiar a igreja local. Os seminários,
como todo o instituto denominacional, são servos das igrejas. Mas o
individualismo também chegou às instituições. Elas são servas e instrumentos, e
não senhoras e um fim em si mesmo. O seminário não é uma confraria de livres
pensadores, mas servo das igrejas. As igrejas são as donas do edifício
denominacional. Nossas instituições de ensino ministerial têm papel relevante em
transmitir aos vocacionados ao serviço cristão que o líder não é dono da igreja,
mas seu servo, submisso a ela. Esta visão míope de não se engajar nem se
submeter aos outros impregna o obreiro e deste passa para a igreja.
Na realidade, tudo o que alinhavei pode ser exposto numa
sentença: temos dificuldades em nos sujeitarmos uns aos outros, em nos vermos
como colaboradores, em implementar planos alheios. Nós sabemos como deve ser
feito e os demais não sabem. Tudo isto, para mim, não é questão de estrutura nem
de doutrina, mas de espiritualidade. Nossa maior necessidade é de um quebramento
espiritual que refaça laços fraternos, de confiança e de confiabilidade, de
cooperação, de não nos vermos como rivais, mas como cooperadores. Cultivar a
visão de Paulo: “Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento” (1Co 3.6).
Somos apenas instrumentos que nunca devem procurar holofotes, mas Deus é o
sujeito. Devemos subordinar e não apenas submeter nossas pessoas e conceitos
pessoais ao bem estar do grupo e cultivar uma solidariedade que não se deixe
esmaecer pela individualidade.
O individualismo precisa ceder ante o senso de cooperação. Aí
teremos grandes progressos.
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