Já
deveria ter escrito a respeito — um leitor, com agressividade ímpar,
indagou se eu estava fugindo do assunto… —, mas temas mais urgentes se
impuseram. Vamos lá. Centenas de pessoas de manifestaram neste sábado em
algumas cidades contra a posse do deputado Marco Feliciano (PSC-SP)
como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Acham que ele não está habilitado para o cargo. Acusam-no de homofóbico e
racista. Ai, ai… que preguiça! A polêmica reúne vários aspectos:
- há muita gente tentando usar a virtude do combate ao preconceito para reforçar o vício do autoritarismo;
- as esquerdas, de olho na caixa e no poder político, deixaram pra lá a Comissão de Direitos Humanos e agora chiam;
- há outros deputados enroladas com a Justiça que assumiram o comando de comissões; cadê os protestos?;
- deve-se tomar cuidado quando se tenta submeter a decisão do Parlamento ao critério da praça; vou explicar por quê;
- não se combate eventual preconceito contra gay ou negro com preconceito antirreligioso.
- as esquerdas, de olho na caixa e no poder político, deixaram pra lá a Comissão de Direitos Humanos e agora chiam;
- há outros deputados enroladas com a Justiça que assumiram o comando de comissões; cadê os protestos?;
- deve-se tomar cuidado quando se tenta submeter a decisão do Parlamento ao critério da praça; vou explicar por quê;
- não se combate eventual preconceito contra gay ou negro com preconceito antirreligioso.
Dia desses, num tuíte, Feliciano escreveu a seguinte besteira: “Africanos
descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da
maldição é a polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rsss”. Racismo?
Isso é só uma besteira. Até porque a palavra “africanos” designa a
população de um continente, das mais variadas origens e etnias — fora do
ambiente bíblico. Uma das medidas na minha discordância está no fato de
que “meu candidato” a papa é o “africano” Peter Turkson…
Basta ler
com atenção o que ele escreveu para perceber que o objetivo de Feliciano
é recomendar que os frequentadores do Twitter evitem a “polêmica”. E,
para encarecer a sua recomendação, diz que justamente a polêmica estaria
na raiz da maldição que colheu um “ancestral de Noé”, do qual
derivariam os africanos. Refere-se a uma passagem do Gênesis (9,25). Noé
embebedara-se e adormecera nu. Cam, um de seus filhos, o vê assim e, em
vez de cobrir o pai em decoroso silêncio, vai contar o acontecido aos
irmãos (essa é a “polêmica”). O patriarca, então, amaldiçoa Canaã, filho
de Cam: sua descendência seria composta de “servos de servos”. Os
descendentes de Canaã são os cananeus (com suas muitas derivações). A
origem bíblica — a bíblica, reitero!!! — dos povos negros da África, a
partir da Etiópia, seriam dois outros filhos de Cam que não foram
amaldiçoados: Cuxe e Pute.
Racismo?
Não! É só uma leitura toscamente literalista da Bíblia, com a conjunção
de ignorâncias: de Feliciano e de quem o acusa de racismo. Mas há também
má consciência, quando menos, e, no limite, má-fé. A questão racial
está sendo usada para reforçar a acusação que realmente gerou a
mobilização: a de homofobia. Aí as coisas se complicam ainda mais.
Feliciano é
contra o casamento gay e já andou dizendo por aí que “o reto não foi
feito pra isso”, como se lhe coubesse agora legislar sobre o que cada um
faz com a parte terminal do aparelho digestivo. Saia dessa, deputado!
Isso não é de sua conta — não como deputado ao menos. Ocorre, meus
caros, E AGORA COMEÇAMOS A CUIDAR DA COISA RELEVANTE, que ele tem o
direito de dizer o que pensa sobre o Gênesis e também sobre os gays,
ainda que diga tolices.
Eu, por
exemplo, acho que gays são matéria de fato e não me oponho a que se
casem. Mas já escrevi aqui e reitero: o Supremo Tribunal Federal ignorou
o que está escrito na Constituição — QUE NÃO FALA POR SIMBOLISMOS —
quando conferiu à união homossexual o mesmo estatuto legal da união
heterossexual. Está lá, no parágrafo 3º do Artigo 226 da Carta:
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento”. Fim de papo. Homens e mulheres podem ser homo ou heterossexuais, mas seguem sendo homens e mulheres, pois não?
O
casamento não é um dom da natureza, mas uma construção social. Há
“direitos” que a sociedade houve por bem restringir a determinados
grupos. Ninguém pode se candidatar à Presidência da República ou ao
Senado antes dos 35 anos, por exemplo. Não se pode continuar ministro do
Supremo depois dos 70. E a maioria entendeu, por meio de seus
representantes, que “casamento” e “família” são constituídos por “homem”
e “mulher”. ATENÇÃO! EU ESTOU ENTRE AQUELES QUE ACHAM QUE ISSO PODE
MUDAR. Mas aceito que existam pessoas contrárias à mudança. A Igreja
Católica, por exemplo, que vê a POSSIBILIDADE da procriação como
desdobramento natural da união carnal, reconhece, é evidente, a
existência de homossexuais (como não o faria?), mas não admite o que se
chama “casamento”. E duvido que possa fazê-lo algum dia porque isso
ensejaria a mudança de outros fundamentos.
Feliciano é
“homofóbico” só porque se opõe ao casamento gay ou à famigerada Lei
Anti-Homofobia, eivada, sim, de absurdos? Isso é uma piada! NÃO GOSTO DE
SUAS IDEIAS, NÃO GOSTO DE SUA ABORDAGEM DO MUNDO, FIQUEI COM A FAMOSA
VERGONHA ALHEIA AO VER A SUA PERFORMANCE NUM CULTO (aquela do cartão do
crédito, que publiquei aqui), mas isso também, a exemplo de suas
declarações, não faz dele nem racista nem homofóbico.
Mas como?
A comissão que Feliciano agora preside é a de “Direitos Humanos E Minorias”
— ocupa-se, portanto, de temas outros, não exclusivamente das “minorias
sociológicas”. Desde a redemocratização, este tem sido o território
das esquerdas, muito particularmente do PT. Pois é… Como Feliciano foi
parar lá? Ora, os “partidos progressistas” da base, desta feita, optaram
por áreas mais poderosas ou que interferem em setores que mobilizam
recursos bilionários. A tarefa acabou caindo no colo do PSC. Ora, só
faltava agora exigir de Feliciano que chegasse lá com a pauta do Jean
Willys… Não há nenhuma lei da natureza que estabeleça que só
esquerdistas, progressistas ou sei lá como queiram chamar podem presidir
uma comissão como essa.
Quem está na rua?
Nas ruas, protestando contra Feliciano, estão, além de grupos
gays, militantes do PT, do PCdoB, do PSOL… Santo Deus! O mensalão cobriu
de vergonha o país, e os petistas foram à praça defender seus
condenados. O PCdoB protagonizou um escândalo gigantesco no Ministério
dos Esportes e ainda hoje canta as glórias de Stálin, o facinoroso. O
PSOL tem entre seus fundadores um terrorista italiano que, em 1973,
despejou gasolina sob a porta de um apartamento, na Itália, onde estavam
um gari, sua mulher e seis filhos. Ateou fogo. Morreram uma criança de 8
anos, Stefano, e seu irmão mais velho, de 22, Virgilio (mais detalhes aqui). Essa gente vem falar em “direitos humanos”? Ora…
“Ah,
então, por isso, vale tudo?” Não! Não vale, não! Mas não é possível
reduzir todas as questões do mundo, de uma comissão da Câmara Federal no
Brasil à sucessão do papa, segundo o filtro da militância gay. O mundo é
um pouco mais amplo do que isso. O novo presidente da Comissão de
Finanças e Tributação, João Magalhães (PMDB-MG) responde a três
inquéritos no STF: peculato, tráfico de influência e crime contra o
sistema financeiro. Não há protestos contra ele. Há 11 inquéritos civis
no MP de São Paulo para apurar as ações do deputado Gabriel Chalita
(PMDB-SP) quando secretário da Educação. Ele é o presidente da Comissão
de Educação. Os deputados condenados José Genoino (SP) e João Paulo
Cunha (SP) são membros da comissão mais importante: a de Constituição e
Justiça. Cadê os protestos?
Na praça
Centenas de pessoas saíram às ruas neste sábado contra
Feliciano. É bom não esquecer que, se os evangélicos assim o decidirem,
podem reunir uma multidão muitas vezes maior para apoiá-lo. O barulho
que certos grupos fazem costuma ser inversamente proporcional a seu real
tamanho e importância na sociedade. Os esquerdistas agora decidiram se
preocupar com a comissão? Que graça! Poderiam tê-lo feito antes, não é?
Feliciano
disse uma porção de tolices. Acusá-lo, no entanto, de racista e
homofóbico por causa das declarações constitui um evidente exagero e
serve para mascarar outro preconceito: o antirreligioso. E isso também é
manifestação de intolerância. Numa democracia, as pessoas têm o direito
de dizer coisas idiotas. Numa democracia, nem todo mundo tem de estar
afinado com a pauta de minorias influentes. Numa democracia, não se usa
apenas o alarido das ruas como critério do que é certo e do que é
errado.
Por mim,
Feliciano não estaria lá. Mas está, segundo as regras do jogo. Os que
não concordam com suas ideias podem e devem combatê-lo. Só não podem é
confundir as coisas. Quem não sabe a diferença entre liberdade de
expressão e crime acaba tomando o crime como exercício da liberdade e o
exercício da liberdade como um crime.
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