Nice de Paula/G1
RIO – As estatísticas não deixam dúvidas. Com o ganho de renda dos
trabalhadores nos últimos anos, o Brasil é um país de classe média.
Economistas calculam que 55% da população podem ser considerados assim.
Mas que classe média é essa?
A
acompanhante de idosos Fernanda Nascimento, 25 anos, e seu marido, o
pedreiro Carlos Rogério de Oliveira, de 31, não terminaram o ensino
fundamental. O casal mora em Nova Iguaçu, com as filhas de 5 e 1 ano de
idade. Fernanda e Carlos Rogério não têm casa própria, cartão de crédito
nem plano de saúde. Suas filhas não estão em escola particular e o
casal enfrenta uma jornada de trabalho de mais de dez horas por dia. Mas
a renda mensal da família, de R$ 2.100, faz dela um retrato da nova
classe média brasileira. Será mesmo?
— Não — diz o sociólogo Jessé
Souza, para quem esse grupo forma uma “nova classe trabalhadora
precarizada”. — É uma classe que foi inserida principalmente no
comércio, em serviços e em pequenas indústrias. É mais explorada, aceita
trabalhar 12, 14 horas por dia. A ascensão dessa classe ao consumo é
real. E isso é extremamente positivo, porque antes nem essa
possibilidade existia. A sociedade moderna têm dois capitais
importantes, o econômico e cultural. Essa visão empobrecida (de classe
média) considera apenas a renda.
As sociólogas Christiane Uchôa e
Celia Kerstenetzky, da UFF, analisaram os indicadores sociais da nova
classe média, com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do
IBGE de 2009. E se surpreenderam ao perceber que 9% dos pais de família
do grupo são analfabetos, 71% das famílias não têm planos de saúde e
1,2% das casas (cerca de 400 mil) sequer têm banheiros.
“A chamada nova
classe média não se parece com a classe média como a reconhecemos”
concluem as pesquisadoras. Criador do conceito “nova classe
média”, o economista Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), vê nas críticas uma reação de sociólogos que,
para ele, “se sentem um pouco invadidos”:
— Desde o começo a
gente não está falando de classe sociais, mas de classes econômicas.
Economistas são pragmáticos, talvez simplifiquem demais as coisas. Mas,
entre 2003 e 2011, 40 milhões de pessoas se juntaram à classe C no
Brasil, que passou para 105 milhões de pessoas.
No recorte feito
por Neri em 2009, eram consideradas como classe média famílias com renda
mensal entre R$ 1.200 R$ 5.174. Agora, as faixas foram atualizadas para
entre R$ 1.750 e R$ 7.450.
— É claro que essa não é uma classe
média europeia ou americana, é a classe média brasileira. Mas não
olhamos só a renda, é uma métrica mais sofisticada. Há melhoras em
indicadores de educação e, principalmente, de trabalho, que dá
sustentabilidade às conquistas. O grande símbolo dessa classe média não é
o celular nem o cartão de crédito, mas a carteira assinada. Eu até
gostaria de ver mais empreendedorismo — diz Neri.
O
empreendedorismo faz parte da rotina de Rosani Pifani, 50 anos, e seu
marido Carlos Augusto Ferreira, 53 anos, donos de um bar no Morro do
Pinto, onde conseguem uma renda de R$ 2 mil, vendendo de cerveja a
detergente, das 7h às 20h. Nos fins de semana, a jornada se estende até
2h.
— Não tenho conforto nem fim de semana, e queria ter um carro.
Mas quando olho a pobreza em volta, vejo que pelo menos tenho casa
própria, comida e televisão — diz Rosani, que não completou o ensino
fundamental.
Com tv a cabo, mas sem escola particular
No
andar de cima da casa, vive a família da filha, Manuela Pifani Lago, de
25 anos, seu marido Jonatas Oliveira, de 30 anos, e o filho Miguel, de 4
anos. Com ensino médio completo, os dois trabalham com carteira
assinada, ela como caixa numa grande rede de varejo e ele, como técnico
de informática. Juntos ganham cerca de R$ 2 mil.
— Temos plano de
saúde, graças à empresa, e alguns confortos, como TV a cabo. Mas escola
particular para o Miguel ainda não dá — conta Manuela.
O publicitário Renato Meirelles, do Instituto Data Popular acha que o brasileiro tem uma visão errada de sua própria condição.
—
Quem se considera de classe média está na ponta da pirâmide, é mais
intelectualizado, mais erudito. Temos pesquisa mostrando que 35% das
classes A e AB se consideram de classe média. No Brasil, o 1% mais rico
têm renda per capita de R$ 6 mil por mês e há um monte de gente que faz
parte deste 1%, mas jura que é classe média. Mas não se pode dizer que
classe média é só quem concluiu o curso superior e gosta de música
erudita.
Ex-babá e hoje sócia de uma loja de decoração em
Copacabana, Evangelina Ribeiro, de 40 anos, diz que só passou a se
sentir de classe média depois de concluir seu curso superior em
pedagogia.
— Um mundo se abriu. Almoço em casa, compro o que quero
e visto o que eu gosto. Infelizmente, a sociedade ainda tem muito
preconceito, e a primeira impressão é o que você tem e o que você compra
— diz ela, dona de renda mensal que varia de R$ 2.500 a R$ 3 mil, e que
já pensa em cursar outra faculdade, de gastronomia.
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