domingo, 24 de novembro de 2013

A estrambólica língua portuguesa

Por Francisco Espiridião

Recebi dia desses, do amigo Major Saraiva, farmacêutico, dono de laboratório há mais de 40 anos em Boa Vista, uma pérola sobre as “pegadinhas” que a nossa língua pátria pregam em quem vem de outro país e precisa se comunicar com os nativos.

Verdadeira pândega. A piada gira em torno de um africano que viera participar de encontro internacional num salão de convenções de determinado hotel – daqueles quase seis estrelas que na orla marítima da Capital do Sol existem às pencas.

Ao terminar a inscrição no balcão do evento, o maputense é informado de que há uma palestra rolando, naquele momento, na sala meia oito.

- Desculpe, qual sala?

- Meia oito. Não sabe o que é meia oito? Sessenta e oito, assim, veja: 68.

- Ah, entendi, ‘meia’ é ‘seis’.

A conversa tem prosseguimento, quando o atendente informa ao africano que o Congresso cobrava uma ‘pequena taxa’ para quem quisesse ficar com o material: DVD, apostilas etc., no valor de dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam ‘meia’.

- Humm! que bom. Ai está: ‘seis’ reais.

- Não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?

- Pago meia? Só cinco? ‘Meia’ é ‘cinco’

- Isso, meia é cinco.

- Tá bom, ‘meia’ é ‘cinco’.

E o bate-papo continua: – Cuidado para não se atrasar, a palestra começa às nove e meia.

- Então já começou há quinze minutos Já são nove e vinte.

- Não, ainda faltam dez minutos. Como falei, só começa às nove e meia.

- Pensei que fosse às 9:05, pois ‘meia’ não é ‘cinco’? Você pode escrever aqui a hora que começa?

- Nove e meia, assim, veja: 9h30

- Ah, entendi, ‘meia’ é ‘trinta’.

- Isso, mesmo, nove e trinta.

E nesse caminho esburacado, a história vai longe. Termina o atendente afirmando ao maputense que ele não pode frequentar as palestras porque não é permitido entrar de sandálias. Ele deveria ir colocar uma meia e um sapato. O africano vai à loucura.

Isso tudo para mostrar o quanto nossa língua portuguesa é complicada. Já pensou se ele falasse ao maputense que canela é a parte inferior frontal da perna da gente e depois dissesse que iria fazer um chazinho de canela para ele tomar e se acalmar?

(*) Jornalista e escritor

No campo de pouso

Por Francisco Espiridião

O brigadeiro Ottomar Pinto assumiu o governo do Território em 1979. Eu estava em Fortaleza (CE), frequentando curso de formação de sargento. Funcionava no quartel do 4º Batalhão de Polícia Militar, na avenida Mister Hall, saída para a “cidade das facas”, Caucaia.

Concluído o curso em dezembro daquele ano, retornei para Boa Vista em janeiro de 1980. Em 1981, fui designado pelo comandante-geral, coronel Wagner Ribeiro da Silva, para comandar o destacamento PM de Mucajaí.

Naquele tempo, Mucajaí era matadouro de gente. Um morto de noite, nos bares da vida, e outro amarrado para morrer ao amanhecer. Claro que usei de todos os meus meios para me livrar de tal indicação. Afinal, espernear é um direito de todo cidadão.

Há de se levar em conta, porém, que era regime de exceção. Militar não era lá tão cidadão assim. O que menos ele tinha, na verdade, era direito. A qualquer coisa. Principalmente se fosse praça, o meu caso. Aliás, tinha sim. Direito a dizer “sim, senhor!”. Alto e bom som para não deixar dúvida.

Inócuo esperneio. Malhar em ferro frio, como dizem. Nem mesmo o argumento de que eu havia sido o “Zero-Um” da turma e que tinha outros colegas mais modernos que até então não haviam experimentado o castigo do interior.

Parti então para o lado emotivo. Era abril. Em maio, a Eliana daria à luz a filha do meio, a Karen – hoje mãe do Rafael e 1º sargento PM. Mucajaí de então não oferecia nenhuma garantia de um parto assistido. Nada.

Nada convenceu o comandante. O homem para substituir o sargento Ironilson era eu e não se falava mais nisso. A mudança desembarcando na casa 02 de apoio da corporação em Mucajaí, dias depois.

O comandante da Companhia do Interior, tenente Samuel, me comunica, via rádio (não havia facebook), que “amanhã o Governador vai visitar a Vila. Receba o homem no campo de pouso com honras militares a que tem direito.” E o babaca aqui acreditou.

Na hora marcada, lá estava eu, com os quatro soldados bem apresentados, coturno espelhando, fivela do cinto lustrado a kaol, etc. e tal. Na hora que o avião – um Cessna 206 – abre a parta e dele desce a autoridade, não me fiz de rogado:

-- Guarda, sentido! Ombro arma! Apresen...

Não deu tempo nem de eu terminar as honras militares. O homem me cortou no meio, perguntando:

-- O que foi que eu fiz?! Pelo que eu sei, não fiz nada para ser preso. Quem mandou vocês aqui?

Sem graça, metemos nossa viola no saco e desaparecemos. Receber autoridade no campo de pouso, nunca mais!

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Remando contra

Por Francisco Espiridião

Esta semana foi aberta com ares de esperança. Cerca de 500 pessoas se espremeram no Espaço Nobre, no bairro São Francisco, para assistir ao lançamento do Movimento Roraima Forte, uma iniciativa do senador Romero Jucá, encampada pelo Executivo do Estado e dos municípios, assim como pelo Poder Legislativo das duas esferas.

Não há como se negar que a festa promovida no início da noite de segunda-feira tenha sido algo inédito por estas bandas e, quiçá, no País. Nada menos que lideranças de 15 partidos políticos se desvestiram de suas idiossincrasias e abraçaram a ideia de que, por mais que já se tenha feito, ainda há muito por se fazer em benefício do Estado e de sua gente.

O slogan do movimento é “A União é o nosso Norte”, o que equivale a dizer “Unidos somos mais fortes”. Tanto um como o outro, pode até soar como um clichê, mas nada há de mais verdadeiro, especialmente quando se trata de política, a arte do convencimento. Não se faz política com a faca entre os dentes.

Queira-se ou não, há de se reconhecer o poder aglutinador do senador Romero Jucá. Há de se reconhecer também a performance e desempenho administrativos com que se tem havido o governador José de Anchieta, incrementando a cada dia a infraestrutura do Estado.

Estão aí para provar as obras de saneamento básico da capital, o recapeamento de ruas, o asfaltamento de vicinais – coisa que nenhum outro governante local ousou fazer –, a interiorização da energia em 69 KV, já preparando terreno para a chegada do linhão de Tucuruí, em 2016, enfim, muito se fez até aqui.   

Mas nem tudo é possível se fazer de forma unilateral. Muita coisa aponta a necessidade da união de forças vivas. E é nesse contexto que a proposta do senador Romero Jucá tem seu mérito maior. Política é algo que precisa ser visto como ciência. Não é exata, posto tratar de entendimentos vários – olhares vesgos, outros retilíneos. Mas todos dentro de um só diapasão.

E esse diapasão ficou claro como água límpida ao longo de todo o encontro de segunda-feira à noite. A palavra de ordem foi sobejamente repetida pelo coordenador do movimento: avançar. “Já avançamos muito, mas ainda há muito espaço para se avançar”, dizia Romero Jucá.

O primeiro quartel de século de existência de Roraima como unidade autônoma foi, como já se disse, usado para se criar a infraestrutura necessária, ou seja, os primeiros passos de uma criança aprendendo a andar. Muitas quedas e muitos levantares.

Quem é de Roraima ou aqui vive há mais de 30 anos, sabe que quando se asfaltava um ínfimo pedaço de rua era algo que merecia solenidade com banda de música e fogos de artifício. Hoje, a cidade, que cresceu feito a produção de maxixe em pé de serra, é outra.

Boa Vista e todo o Estado, apresentam novas demandas a ser satisfeitas. E isso, só se fará, primeiro com a anuência de Cristo, o Salvador – “Sem mim nada podeis fazer.” Segundo, com o entendimento entre os homens. Com a aglutinação de forças. Quem remar contra, pode se arrepender mais tarde.

 

Sou negro, tenho meus direitos

Por Francisco Espiridião

Sabe a CCJ da Câmara Federal? Pois é. Ela acaba de aprovar cota para negros virarem parlamentar. E a medida vai atingir todas as casas legislativas do País. Agora, sim. Eu vou me dar bem. Por ser negro, já tenho direito assegurado em lei de entrar numa faculdade. Mesmo não tendo lá todos os conhecimentos exigidos.

Para isso, eu não preciso ser inteligente. É a lei. Eu nasci negro. Essa situação – que em nada depende de mim – é motivo suficiente para que o Mundo me paparique. Isso, porque o Mundo me deve. Não sei quanto nem o quê. Mas me deve. E tem de pagar. Sou negro, ora bolas! Que tipo de profissional formado eu serei, isso pouco importa. 

Já que consegui me “formar” na faculdade – que, contrariando o sambista, já não é tão particular assim, basta ver o Prouni e outros artifícios –, agora posso dar mais um passo. Aliás, um passo maior que a perna. Imagina só, eu parlamentar... Me respeita, rapaz! Você não sabe com quem está falando! Eu sou é deputado, ouviu?

Não vejo a hora de o projeto do deputado petista Luiz Alberto (BA) se tornar parte integrante da Carta Magda, ops!, Carta Magna. Já me vejo na tribuna, de paletó e gravata, defendendo a minha tese. Afinal, dizem, sonhar não faz mal a ninguém.

O meu primeiro projeto será algo em que até hoje ninguém pensou. Nem mesmo os mais famosos juristas-deputados. Ou senadores. Nem mesmo os governantes, por decreto: acabar com os assassinatos. Art. 1º - A partir de hoje ninguém mata mais ninguém.

Pesando bem, esse projeto nada tem de original. Aquele que está acima das Leis já o decretou. Muito antes. É um dos mandamentos do Decálogo, a lei dada por Deus a Moisés, no Monte Sinai. “Não Matarás!”, Simples, não? E como se mata neste país! Só no ano passado, 50.102 pessoas foram “despachadas” por arma de fogo. Só por arma de fogo, sem falar nas “lambedeiras”.

Haja viagem essa minha, heim... Depois do Supremo Criador, alguém já fez isso também, mané!. Está no Código Penal Brasileiro (CPB). Parece que é o artigo 121. Já vi que tenho que sair em busca de um novo cavalo-de-batalha. Esse já passou. Está fora de ordem. 

Bem, como disse, sou negro. E já me considero um parlamentar. Quem sabe, um senador, heim? Não importa se ninguém vai votar em mim – e nem deve –, mas eu quero porque quero. É meu direito. Faço beicinho.

Assim como os sem teto querem quinhentas pratas para pagar o aluguel a cada fim de mês, eu também posso querer ser parlamentar. Afinal, sou negro. Tenho meus direitos.