quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Me tira o tubo

O céu é o limite para a sanha arrecadatória da Prefeitura de Boa Vista. Não à toa, o chicote desanda a lamber obstinadamente as costas dos indefesos contribuintes – eu sou um deles. Simples análise feita aleatoriamente por qualquer macaco parcialmente amestrado põe a nu essa assertiva.


As deliberações que emanam do paço (eu, hein!) municipal não têm outro alvo senão o bolso do já extorquido munícipe (bota antigo nisso!). Estupefaciente (credo!)? Sim. E vai além. Em todas as ações vê-se claramente a vontade arraigada de depenar, depenar, depenar até o último. 


Não é brinquedo, não. O Diário Oficial do Município (DOM) nº 4417, do dia 2 de junho de 2017, tornou pública a portaria nº 112/2017, assinada pelo secretário municipal de Segurança e Trânsito (SMST), para normatizar a avaliação e os indicadores das atividades desenvolvidas pelos agentes municipais. 


Em cumprimento à bendita portaria, os agentes de trânsito passaram a ser avaliados conforme Indicadores de Avaliação de Produtividade, ou seja, de acordo com o número de multas aplicadas por mês, sendo elas, provenientes de fiscalização e de abordagens a condutores. 


Não deu outra. Até hoje é grande o festival de multas, as mais multifacetadas. Umas aplicadas até porque o motorista dirigiu com uma única mão ao volante. Não importando se a outra estava na alavanca de câmbio – nos carros da plebe (arre!), isso é a coisa mais que natural.


E as corujinhas, hein? Quem é o digno motorista que dirige em Boa Vista e nunca foi bicado por uma ‘corujinha’? Sem falar que umas, matreiramente, postam-se escondidas por detrás de mangueiras e ipês amarelos ou vermelhos.


Mas a sanha arrecadatória do paço (de novo!) não se restringe ao trânsito. A Eliana é dona de salão de beleza. Quer se aposentar no início do ano que vem. Faz uns dois anos, ela foi pilhada por um fiscal da Vigilância Sanitária do Município. Achou um frasco de sei lá o quê vencido havia um mês na prateleira do estabelecimento. O valor do tal frasco na loja não chegava a cobrir um corte de cabelo. De homem, o mais barato. Multa de pouco mais de R$ 1 mil emitida e não paga. Foi derrubada pelos argumentos de Fernando Matos. Eita advogado porreta! 


Nesta semana recebi a ilustre visita de um fiscal municipal – devidamente autorizado. Entregou-me uma notificação. Aos costumes, eu estou intimado, a pagar a besteirinha de 200 Unidades Fiscais do Município, as famosas UFMs. Sabe quanto custa cada uma? Só R$ 2,88. Ou seja, o município pretende me deixar R$ 576 mais pobre. 


O bom vem agora: trata-se de uma multa por eu ter deixado um “Lote de terra sem a devida limpeza, conforme visita realizada no dia 12/11/2018 por meio de mapeamento de lotes sujos no bairro”. Não cita o bairro nem o nome da rua em que tal lote de terra está localizado. Mas eu descobri pela ‘Insc. Cartográfica’ – assim mesmo, ‘insc.cartográfica’.


Para aplicar a multa, a Prefeitura passou por cima do dispositivo constitucional que me dá o direito de ampla defesa e do contraditório. Não fui sequer advertido da lambança. E olha que eu sou pavloviano (eita!) quando o sentido é obediência civil.


Só para se ter uma ideia do que é isso, há dois meses fiz um negócio que, acho, ninguém faria. Pelo menos os meus chegados me criticaram por tê-lo feito. Fui tido por ‘babaca’. A minha conta d’água chegava havia três ou quatro meses com o mesmo valor. Muito baixo. O que se costuma chamar de taxa fixa para os consumidores sem hidrômetro. Fui à Caerr para saber o motivo. No mês seguinte, chegou o papel me cobrando cerca de três vezes mais. Toma, babaca!


Mas deixando a Caerr pra lá, voltemos à voracidade arrecadatória da Prefeitura de Dona Teresa. Pela ‘insc cartográfica’, a multa diz respeito a um terreno de minha propriedade localizado no bairro Santa Tereza. 


Esse bendito, só neste 2018, mandei limpar três vezes. Para isso, a Eliana comprou em Lethem (Guiana) uma roçadeira similar às nossas Stihl 220, e colocou nas mãos de um chegado que vive disso. Usa para trabalhos particulares. Quando os nossos, cobra um pouco menos. 


Ao divagar aqui, veio-me à mente um quadro do programa ‘Viva o Gordo’, dos anos 1980. Jô Soares fazia a personagem de um sujeito que voltava à consciência após anos em coma. Quando as pessoas lhe contavam as notícias, ele não acreditava e usava o bordão "me tira o tubo", com um sotaque carregado, o que dava a graça da coisa, para mostrar que não concordava com o que estava acontecendo no Brasil e no mundo. 


Agora, eu digo o mesmo. “Me tira o tubo”, que eu não estou acreditando no que está acontecendo em nossos dias. A Prefeitura se preocupa com o meu terreno que teve o mato alto num determinado momento – quando chove a terra fica fértil e nasce tudo, até mato –, mas se esquece que eu, de vez em quando, levo prejuízo pelos buracos nas ruas. Tem um ali na frente do Parque Anauá, a menos de 200 metros da desavergonhada corujinha. Já vai fazer aniversário. O bicho é pequeno, mas fuuuundo. 


Já tive prejuízos também com tampas de bueiros instaladas abaixo do nível da pista de rolamento. Isso a Prefeitura não vê. Ah, isso é responsabilidade da Caerr. É mesmo, é? Mas eu não pago IPTU para a Caerr consertar buraco de rua. 


Acho que é melhor parar por aqui com essa prosa. Vou entrar com recurso para ver se me livro dessa escrachada multa de 200 UFMs. Espero ter argumentos para sensibilizar a autoridade. Afinal, autoridade é autoridade, e pronto.