quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Democracia nas Forças Militares brasileiras

Publicado originalmente no blog alerta total (www.alertatotal.blogspot.com)

Por Luís Fernando R. de Sousa

O principal assunto discutido nacionalmente no âmbito dos militares nacionais (FFAA) e estaduais (Bombeiros e Policiais) é a adequação da estrutura secular dessas Instituições ao modelo democrático atual implementado na sociedade brasileiro após o período da Ditadura Militar. Os militares mais conservadores, na sua maioria os mais velhos, ainda ligados por conceitos ideológicos da Ditadura Militar, consideram esse movimento uma tentativa de desestruturação dos pilares da Hierarquia e da Disciplina e os militares democráticos, na sua maioria da geração dos coronéis e postos e graduações inferiores, consideram esse avanço como a correta aplicação dos conceitos da Hierarquia e da Disciplina, imutáveis no tempo e no espaço.

Os Regulamentos Disciplinares Brasileiros tem por modelo o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), porém cada um traz as peculiaridades das corporações policiais estaduais. Nesse sentido, as Forças Militares têm buscado o aprimoramento de seus diversos órgãos e de seus integrantes para o cumprimento de suas missões - defesa nacional e segurança pública - conforme o caso.

O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo - Decreto n.o 13.657/43, o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica - Decreto n.o 76.322/75, o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Goiás - Decreto Estadual n.o 4.717/96, o Regulamento Disciplinar da Marinha - Decreto n º 88.545/83 e o Regulamento da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro - Decreto No 6579/83 seguem essa linha, assim como os outros regulamentos estaduais. Na grande maioria dessas normas, a falta administrativa denomina-se transgressão disciplinar e no Regulamento da Marinha a mesma denomina-se contravenção.

Quando em 1793 a França encontrava-se sob a ameaça de uma invasão, seu governo promulgou "um decreto de levèen en masse" colocando todos os homens à disposição da República e ainda aboliram-se os castigos físicos substituindo-os por um tribunal constituído por oficiais e soldados. Este pensamento foi o mesmo defendido pelo positivista Olavo Bilac, patrono do Serviço Militar Brasileiro, e assim ele nos ensinou : " Se todos os cidadãos usufruem das benesses da pátria, nada mais justo que todos participem da sua defesa". A prática de castigos físicos é ainda hoje previsto para a coerção no Paraguai e até recentemente também na Venezuela, abolida através da Revolução Bolivariana.

A nossa constituição define claramente as missões atribuídas às Forças Armadas e aos Órgãos de Segurança Pública. Recentemente as Emendas Constitucionais nº 3/93 e nº 18/98 alteraram o art. 42, da Constituição Federal, que passou a ter a seguinte redação, "Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios".

Com base neste dispositivo, pode-se afirmar que no Brasil existem duas espécies de militares, os militares federais que integram às forças armadas, e os militares estaduais que integram às forças auxiliares, porém todos são militares definidos pela constituição federal. A grande resistência à mudança reside na aceitação, pelos militares conservadores, de muitos artigos da Constituição Cidadã, sobretudo o artigo 5o, onde se estabelecem uma série de direitos e garantias individuais e coletivas, tais como liberdade de expressão, liberdade de associação e outros.

Outro ponto de difícil entendimento é a de não se possibilitar a prisão com pena privativa de liberdade, salvo em caso de flagrante delito, após o devido processo legal. Essa contravenção disciplinar militar, no Estatuto Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, foi afastada acertadamente e não houve qualquer prejuízo à disciplina daquela tropa. É importante se observar, que não se busca negar à autoridade militar os princípios fundamentais das organizações militares, hierarquia e disciplina, mas o que se pretende é um perfeito enquadramento da legislação castrense ao disposto no Texto Constitucional. A Constituição é a norma fundamental de qualquer ordenamento jurídico, e para que um país possa se fortalecer na democracia é preciso que esta seja observada e respeitada, na busca do aprimoramento da ordem interna e das próprias instituições.

Convém salientar que a iniciativa para propor uma Lei para definir o Novo Regulamento Disciplinar é privativo do poder executivo, de acordo com o Art 61, Parágrafo 1o, inciso II, letra b). Em São Paulo e em Minas Gerais, seguindo a regra constitucional, estabeleceram seus novos regulamentos por meio de lei, o que deve ser observados pelos demais Estados-membros da Federação, sob pena dos novos regulamentos serem questionados junto ao Poder Judiciário em atendimento ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

O Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) com fundamento na Constituição Federal é inconstitucional, e deve ser editado por meio de lei proveniente do Congresso Nacional. As transgressões disciplinares pós-CF/88 não podem mais ser definidos por meio de decreto, em respeito ao princípio do devido processo legal que se aplica tanto ao processo administrativo como ao processo judicial.

No Estado de Democrático de Direito, a liberdade é a regra e a prisão uma exceção, que somente pode ser limitada com fundamento na lei e nos casos previamente estabelecidos. A expressão lei deve ser entendida como sendo a norma discutida nas casas legislativas, no exercício de sua função típica, para que possa produzir os seus jurídicos e efeitos legais.

Os regulamentos disciplinares pós CF/88 não podem mais ser modificados por regulamentos expedidos pelo Poder Executivo, porém assim o são na maioria dos Estados e ainda no âmbito do Governo Federal. A transgressão disciplinar fica sujeita ao princípio da legalidade com fundamento na Constituição Federal. O militar somente poderá ser preso ou punido nos casos estabelecidos em lei em respeitos as regras estabelecidas no art. 5.º, que estabelece os direitos e garantias assegurados a todos os cidadãos, brasileiros natos ou naturalizados, civis ou militares.

Somente através de Regulamentos Disciplinares com força de Lei, iniciado o processo legislativo a partir do Poder Executivo e aprovado pelo Poder Legislativo, subordinando-se assim o poder militar ao poder civil, tal qual a Lei Americana do "Posse Comitatus" é que conseguiremos implantar a tão sonhada democracia em nossas Forças Militares e este é o grande pedido dos militares democráticos para os próximos Presidente da República e Governadores de Estado. Eis o Capitanismo!

Luís Fernando Ribeiro de Sousa é Capitão do Exército Brasileiro. E-mail : capitaoluisfernando@gmail.com

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Acabo de ler e recomendo


"A Conspiração Franciscana", romance de ficção com base na realidade, mostra a saga de um jovem frade da Ordem de São Francisco de Assis. A trama acontece entre os anos de 1230, com a morte do santo, e vai até 1306, ano em que morre o frade Conrad. Diante de uma carta que lhe foi enderaçada por um velho amigo frade, escrita à beira de sua morte, o espírito de Conrad se vê tomado por uma aflição perene. Não se contenta com os dogmas da Ordem, e sai em busca da verdade. Ao arriscar a vida por várias vezes, leva outras pessoas à morte prematura em razão de sua obstinação pela verdade. Descobre uma versão que, se levada a público, poderia pôr abaixo toda a credibilidade da fé que os católicos depõem sobre o santo asceta, que levou a vida a zombar e desprezar os bens materiais. O desfecho é empolgante. As 440 páginas parecem poucas diante do apelo pela leitura incansável e prazerosa que é. Vale a pena enveredar por labirintos, masmorras, até o mais profundo do ser humano e suas desditas (A conspiração franciscana/John Sack.- Rio de Janeiro, Sextante, 2007).

sábado, 25 de outubro de 2008

Cadê os bambus da minha praça?

Por Francisco Espiridião

E os bambus desapareceram da minha praça. A Praça dos Bambus, ali na avenida Santos Dumont, bairro São Francisco. Não faz muito tempo. Eu mesmo não havia percebido, ainda que a trágica perda esteja a saltar aos olhos. Principalmente para mim, que moro quase em frente.
O local hoje, totalmente diferente do que já foi um dia, é-me mais que familiar. Abrigou o Horto Municipal. Lembro-me bem. Em meados dos anos 1970, quando construí – pela metade – a minha primeira casa nas proximidades, foi de lá que surrupiei a brita para o piso.
Local ermo. Pleno inverno. Uma caçamba basculante passava por ali, mais por teimosia do motorista que por qualquer garantia de tráfego. Levava o material sei lá para onde. Bobeada do “motora” e, pronto! Ficou atolada.
Para sacar aquele monte de ferro dos buracos em que se metera, fez-se necessária a possante ação de um D-8. O piso do terreno mais parecia formado de areia movediça. Para o sucesso da “operação saca-caçamba”, a primeira providência foi despejar ali mesmo os três ou quatro metros cúbicos de brita.
Desdita de uns, regalo de outros. Todo dia, quando chegava do trabalho, no final da tarde, eu e a Eliana íamos buscar latas e latas de brita para fazer o piso daquilo que eu chamava, com muito orgulho, de casa. Construída em madeira de terceira, sem qualquer repartição por dentro. Mas era a minha casa.
Sem o piso, a água minava dentro das quatro paredes que era uma beleza! Daí a pressa. O trabalho de remoção do material do local do atoleiro ao destino final não demorou nem duas semanas.
Aliás, tentar passar por ali transportando tão expressiva carga – areia, pedra brita ou qualquer outro material – era mesmo uma temeridade. Para eu enfrentar o brejo, rumo ao trabalho todas as manhãs, fazia-se necessário arregaçar as pernas da calça até acima dos joelhos. Os sapatos, estes viajavam nas mãos. Lá muito adiante lavava os pés em uma das últimas poças d’água e os calçava.
Mesmo com todos os óbices para o tráfego – motorizado ou a pé –, o local era lindo. Os bambus da minha praça, então, eram de encher os olhos. De tão compridos, pareciam querer tocar o céu. Estavam todos lá.
O tempo passou. O horto mudou-se. Hoje, está plantado no interior do Parque Anauá. De uma hora para outra descubro, com surpresa, que os bambus também tomaram destino. Para onde, não se sabe. Em seu lugar, outras árvores frondosas. Menos mal.
Remanescentes do antigo horto insistem em permanecer no local. São alguns pés de ingá, cajueiros e outras árvores que nenhum fruto comestível dão. Tem também uns pés de dão (coisas de macuxi), conhecem? Sim, são comestíveis esses que também são chamados de maçãs de pobre.
Tudo muito bem. Mas, não me consolo. Sinto falta dos bambus da minha praça. Bambus de volta ou mudemo-la o nome! Ah, ia esquecendo: o Francisco também agradeceria a recuperação dos brinquedos.

sábado, 18 de outubro de 2008

Alegrai-vos no Senhor

Por Francisco Espiridião (*)

Não há dúvida que a carta do apóstolo Paulo endereçada primeiro aos Filipenses deve ter como destinatários também os crentes dos dias atuais. As recomendações ali existentes são de primordial importância para a nossa caminhada cristã nesses dias maus. A carta é dotada de uma característica importante, que é a exortação à alegria. Alegria que advém não de uma razão qualquer, mas do fato de estarmos no Senhor.
A trajetória do apóstolo de Tarso mostra que ele não estava – nem podia estar – alheio aos problemas que nos afligem cotidianamente. Depois de impor tribulações as mais diversas aos cristãos em nome de um zelo extremado à lei mosaica, que defendia até as últimas conseqüências, depois de ter o encontro pessoal com Cristo, no caminho de Damasco, Paulo sentiu na carne as mesmas vicissitudes. Se há alguém que fora atribulado ao extremo, com razões mil para viver triste, esse alguém era o apóstolo Paulo. Mas, em Cristo, ele aprendeu a tirar de letra as dificuldades da vida (Fp. 4.12-13).
E quando falava em alegria, não se referia apenas a uma situação de gozo durante os períodos de bonança. Essa alegria, quando tudo vai bem, é fácil de ser expressa. Vários momentos de tormento pessoal mostram que o apóstolo era verdadeiro ao exortar que se esteja alegre sempre, não importando as circunstâncias.
Um desses momentos está no capítulo 16 de Atos dos Apóstolos. Lucas registra em sua carta histórica que Paulo e Silas foram lançados na cadeia depois de surrados por ordem dos magistrados judeus. Tudo por terem ousado contrariar os interesses financeiros das pessoas que exploravam uma menina que tinha um espírito adivinhador.
Na masmorra, mesmo com as costas ardendo em razão dos açoites, ao invés de desapontados com toda a situação, eles se achavam orando e cantando hinos a Deus, enquanto os outros presos ouviam. Nem mesmo os castigos físicos a eles impostos, de forma injustificada, foram motivo suficiente para lhes tirar a vontade de louvar e glorificar a Deus.
Logo no primeiro versículo do capítulo quatro da carta aos Filipenses, Paulo nos recomenda expressamente que devemos permanecer firmes no Senhor. Estar firme no Senhor é a principal razão para sermos contagiados com essa alegria (Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos.).
Pode o mundo estar caindo sobre nossas cabeças, porém, se estivermos firmes no Senhor, teremos a certeza que Ele nos protegerá segundo a sua vontade. E, assim, nada poderá tirar o regozijo de nossos corações.
O profeta Habacuque sabia bem do que o apóstolo Paulo falava: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto nas vides; ainda que falhe o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado da malhada e nos currais não haja gado, todavia eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação” (3.17-18).
Essa certeza, no entanto, não deve ficar restrita a nós mesmos. Deve ser conhecida de todos os homens. Na vida cristã não há lugar para servo oculto, como pretendia Nicodemos, que era um dos principais dos judeus e fariseu convicto (João 3). No versículo 5 o apóstolo nos exorta que a nossa moderação deve ser conhecida de todos os homens. E dá a razão para isso: “Perto está o Senhor”. O Senhor tudo vê, tudo sabe. Não dá para escamotearmos nossas atitudes.
Já no versículo 6, Paulo recomenda que não andemos ansiosos por coisa alguma. Nada deve nos tirar o sono. Os nossos anseios e dificuldades devem ser conhecidos diante de Deus, por meio de nossas orações diárias, com ações de graças. O mesmo recomenda o apóstolo Pedro em sua primeira carta: “Lançando sobre Ele (Jesus) toda a vossa ansiedade, pois Ele tem cuidado de vós” (5.7).
Para terminar, que a paz de Deus seja uma constante em nossos corações, pois é ela quem promove em nós a alegria verdadeira. Ela faz com que estejamos sempre vislumbrando tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama (4.8). Assim, não permitiremos que nenhuma raiz de amargura brote em nossos corações, e que todo o nosso ser seja verdadeiramente para o louvor da Sua Glória.
Que possamos tornar o estribilho do Hino 403 do Cantor Cristão uma verdade eterna em nossas vidas: “Eu alegre vou em sua luz/ pois agora Cristo me conduz/ desde que me achou da morte me livrou/ sigo sempre alegre, Cristo me salvou”.

(*) Jornalista, membro da Igreja Batista da Liberdade – Boa Vista - RR; e-mail: fe.chagas@uol.com.br