Isaltino Gomes Coelho Filho
Assino a “Veja” há anos. Gosto de lê-la e sua
chegada em casa (em Macapá, três ou quatro dias após surgir nas bancas –
se o entregador não erra o endereço) é bem saudada. Junto com outras
publicações, ela defende um Estado soberano, democrático, de leis e
ordem, que alguns que pensam em democracia como a imposição de suas
idéias rejeitam (os que sabem o que é melhor para o povo – na melhor
aristocracia platônica, mas de esquerda). São os que querem a
democratização da imprensa (controlada pela máquina partidária) e que
falam em monopólio da informação, esquecidos que monopólio alude a um, e
que havendo muitos poderia, na pior das hipóteses, se chamar
oligopólio. Nem a língua portuguesa o pessoal saber usar. Bem, há quem
goste de “muito pouco”, ao invés de “pouquíssimo (se algo é pouco não é
muito).
O problema são alguns
colunistas que desejam teologar. Acho isso incrível. A turma não quer a
Igreja Católica e as igrejas evangélicas opinando sobre a vida secular,
mas quer o direito de ditar à Igreja e às igrejas uma agenda. Querem um
estado leigo (o que quero também), mas querem uma igreja secularizada.
Primeiro foi Maílson da Nóbrega, que saindo de sua área de
conhecimento, Economia, onde é muito bom, postou o artigo “Falácias e
verdades”, na “Veja” de 26.9.11. Afirmou que a Bíblia dizia que o Sol
girava ao redor da terra e assumiu a versão burlesca e falsa do
julgamento de Galileu, que teria murmurado entre os dentes “Mas ela se
move”. Mentira e burla que detratores da Igreja espalharam. O Dr.
Maílson alcandorou à esta patacoada o senso de fato. Respondi-lhe no
artigo “Falácias e verdades ou: Maílson da Nóbrega, pergunte antes de
afirmar” (ver no site
www.isaltino.com.br).
Impressiona como as pessoas falam bobagens sobre a Bíblia, sobre o
cristianismo e sobre a Igreja e as igrejas sem conhecer nada. Meu
desencanto total com a maçonaria se deu com a leviandade habitual de um
“maçonólogo” (cada uma que aparece!) que escreveu um artigo ridículo
sobre o Livro de Enoc, como eles grafam, com um monte de tolices,
ignorâncias e mentiras tão grotescas que só fanatizados aceitam.
Ignorante de que há vários livros atribuídos a Enoque, o autor fala de
um só, que a Igreja tirou do cânon porque ia contra sua posição
teológica. Poucas vezes, em tão poucas linhas, vi tanta bobagem junta.
Enviei uma carta à redação da revista e entreguei cópias a vários maçons
de destaques. Como uma instituição que diz prezar a verdade publica
tanta bobagem, com ar de pesquisa? O maçonólogo, que não é
“verdadólogo”, continua ditando escrevinhação! Isso me aborrece! O mundo
é medíocre, inculto, desconhece fatos e insiste em afirmar abobrinhas
em alto e bom som!
Na “Veja” de 7.8.13, J. R. Guzzo escreveu “Pensamento simples”.
Assume o papel de “teólogo” que dita à Igreja uma agenda que ele acha
correta. Uma questão deve ser estabelecida desde o início: a Igreja é a
única instituição sobre a face da terra que reivindica autoridade
divina. Se o pessoal concorda ou não, se gosta ou não, não vem ao caso.
Mas se a Igreja e as igrejas perderem essa noção de substância, nada
podem fazer. Nivelam-se a qualquer outra instituição. Sequer merecem o
espaço que lhe dão. Não compete aos de fora ditarem a agenda da Igreja e
das igrejas. Parece-me com a postura do “cristianismo alemão” e das
igrejas controladas em países comunistas: “Vocês pregam o que nós
dizemos”. Não querem os palpites da Igreja? Recusem-nos. Mas não deem
seus palpites à Igreja.
Guzzo afirma que a Igreja deve cumprir o Sermão da Montanha, que ela
nunca cumpriu, e que é “o texto mais importante do Evangelho”. Ele deve
possuir um “importantômetro”, que mede o grau de importância das
passagens bíblicas. E não deve ter lido todo o Novo Testamento para uma
visão global de seu ensino, e assim não entendeu o Sermão do Monte
quando o leu. Sua função, no evangelho de Mateus, é mostrar aos cristãos
de pano de fundo judaico, que a antiga ordem já passou. “Moisés disse” é
trocado por “Eu, porém, vos digo”. “Ouvistes” é substituído por “Mas eu
vos digo”. Jesus estabelece que é o seu ensino e não a bagagem passada
que deve ser carregada. Tanto que o ponto de julgamento (Mt 7.24-27),
não é mais a
Torah, a lei dos judeus, mas “estas minhas
palavras”. Findo o sermão, a multidão se admira da qualidade do seu
ensino, em oposição aos dos fariseus, cerne teológico do judaísmo. Estes
transformaram a religião em matéria de ritos, gestos, roupas pomposas,
celebrações teatrais. Jesus a traz para o interior. “Tu, porém, entra em
teu quarto”. Até o “Pai nosso” deveria ser recitado na vida privada, e
não na praça. Jesus internalizou a religião, tirando-a da gestualidade
teatral que inclusive sucede nas viagens papais e em algumas seitas
neopentecostais, em que a entrada do pastor é saudada com o toque do
shophar, cena para lá de grotesca!
Lendo todo Mateus, Guzzo terá uma noção melhor do papel do sermão do
monte, por que está ali, enquanto que, em Lucas, se localiza em outro
momento histórico. Os dois evangelistas usaram-no em seus contextos
literários, inserindo-os como parte (e não a totalidade) da mensagem
cristã, mostrando que sua ética permeia o evangelho, mas não é a
essência do evangelho.
Ao dizer que ela nunca cumpriu o Sermão da Montanha, ele ignora
fatos. A Igreja teve falhas enormes, mas humanizou o mundo. Quantos
hospitais, trabalhos com hansenianos, ajuda a mendigos, e apoio a
necessitados a Igreja e as igrejas têm cumprido! Guzzo ignora a luta
social de Wilberforce. Ignora Madre Teresa da Calcutá. Ignora Martin
Luther King Kr, com sua resistência pacífica, tirada do Sermão. Quando a
polícia veio agredir os negros, King mandou que se sentassem e
apanhassem. Ali eles venceram! Guzzo ignora Visão Mundial, Compassion, o
trabalho de Charles Colson pela humanização dos presídios. Ignora
Schweitzer, ambulatórios e escolas para carentes feitos pela Igreja e
pelas igrejas. Até mesmo a Ordem Franciscana. Ignora que o trabalho dos
batistas tirou mais gente do crack que a política de tolerância
governamental. Que nossos orfanatos mudaram o destino de mais crianças
que a Fundação Casa. Vamos fazer um levantamento?
Lendo o Novo Testamento, Guzzo verá que o mais importante da Bíblia
não é sua ética, mas a obra de Jesus Cristo efetuada na cruz. Pode não
gostar disso, mas não faz diferença porque é isso. Não gosto de Marx,
mas não posso dizer que Marx ensinou o que eu acho que ensinou, e que
destoa do que ele escreveu. Os quatro evangelhos terminam com a morte e a
ressurreição de Jesus. As cartas do Novo Testamento, bem como o livro
de Atos tratam deste assunto, como sendo a culminância do judaísmo e o
tema central do cristianismo. O judaísmo é o vinho velho. Em Jesus chega
o vinho novo. Paulo disse que o evangelho é isto: “Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras e ressuscitou dos mortos segundo
as Escrituras”. O mais importante na Bíblia, Sr. Guzzo, é a pessoa de
Jesus, e não uma parte de seus ensinos. A igreja de Cristo foi fundada
com base nesta pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Não foi “Que
achais do Sermão do Monte?”.
O autor encerra o artigo falando sobre o Sermão da Montanha: “’… é
nele que Cristo ensina que o homem tem que ser honesto, tolerante e
generoso, tem de dizer a verdade, saber perdoar e buscar a justiça,
viver em paz e amar o próximo”. Jesus não precisaria vir o mundo para
dizer isto. Foi dito no Antigo Testamento, e com muito mais ardor pelos
profetas que por ele. Dizem as pessoas sem muita noção: “Ele foi morto
porque pregou o amor e a paz”. Engano. Para que morrer por dizer isto se
isto fora dito milhares de vezes, antes? Ele ensinou a si mesmo, não
uma verdade atrás da qual se escondeu. Lendo os evangelhos, se verifica
que o tema de Jesus foi Jesus. Praticar sua ética é consequência de crer
em sua pessoa e comprometer-se com ela.
Quanto à tolerância com gays, a opção pelo celibato e a negação do
concubinato (viver com outra pessoa sem ser casada com ela – políticos
casados não têm mais amantes, mas namoradas), desculpe. Sr. Guzzo, não
lhe compete dizer à Igreja o que fazer. A questão não é “não pode isso
não pode aquilo”. A questão é de valores que a Igreja adotou, e em que
sua cosmovisão fazem sentido (as questões de varejo) porque mexem na
questão do atacado. Não é tão simples assim. Não entender isso é ser
simplório. A Igreja teria que mudar em cada geração, perderia sua
autenticidade, voaria ao sabor dos ventos, nada teria a dizer ao mundo. O
simples é isto: ela é voz de Deus ou eco da voz dos homens?
Sobre seu argumento que parece ser o desencadeador da argumentação,
quando o Papa diz que “Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa
vontade, quem sou eu para julgá-la?”. É uma pergunta retórica. Qualquer
um pode buscar ao Senhor. É óbvio. Mas há comportamentos que a Bíblia
diz que o Senhor não aceita. E a Igreja e as igrejas não têm autorização
para uma nova Bíblia. Soa confuso? É simples: a Igreja não se vê como
uma ONG criada para satisfazer as pessoas e massagear seu ego. Ela tem
valores muito ricos, que vêm de milhares de anos, não pode se pautar
pelas novidades que surgem. Ela já foi usada, indevidamente, para
defender a escravidão e a violência. Como a frase de José de Anchieta:
“espada e vara de ferro, que é a melhor pregação”. O contexto cultural
de Anchieta adaptou a mensagem do evangelho. A Igreja de verdade, muitas
vezes, terá que ir contra a cultura vigente. O verdadeiro evangelho
refuta essas práticas. Como o infanticídio, a poligamia e o canibalismo
eram práticas sociais aceitas e saudáveis, até que o evangelho as
condenou. Sempre haverá choque entre os valores da Igreja e os do mundo.
Por causa da maciça propaganda gay, o homossexualismo está em alta.
Quem discorda (mesmo sem combater) é homófobo. Parece que a única
virtude válida hoje é a tolerância, vista como uma caminhada na direção
da ditadura do pensamento único, que abole a concepção de democracia. Só
que a tolerância é sempre com os do mesmo lado. Podemos ser chamados de
”fundamentalistas” por gente que sequer sabe a origem do termo. Mas se
chamarmos alguém do outro lado de “devasso”, estamos em maus lençóis. Se
discordo de alguém, sou preconceituoso. Se alguém discorda de mim, usa
de seu direito de expressão. É a pasteurização conceitual.
O que querem não é a humanização da Igreja, mas seu amordaçamento.
Ela é vista como quem deve apoiar tudo o que os homens fazem, pois sua
função é tornar pessoas felizes. Isso é ser simplório. Adaptar a
mensagem do evangelho às épocas e aos quereres humanos simplesmente a
aniquilaria. Se é para dizer que tudo é certo e que podem fazer o que
quiserem que a Mamãe Igreja perdoa os filhinhos, ela não é necessária.
Em tempo, sou protestante. A igreja não me é mãe, mas irmã.
A Igreja e as igrejas não devem buscar popularidade e aplauso do
mundo. A multidão que gritava “Hosana ao Filho de Davi”, menos de uma
semana depois gritava “Crucifica-o!”. Como ministro religioso não busco
aplausos. Nem do rebanho que Deus me confiou. Busco ensinar o que a
Bíblia diz. As pessoas devem obedecê-la e não tenho autoridade para
ajustá-la ao querer humano. Quem não concordar não concorde. Da mesma
forma com a Igreja. Quem não concorda com ela, paciência. O que não se
pode é ter uma Igreja para cada tipo de pessoa. A concepção dominante,
aqui, é o conceito de Igreja. Ela tem origem espiritual, com valores
eternos, ou é uma instituição humana? Ela tem uma mensagem da parte de
Deus aos homens ou é um organismo que toma decisões pela opinião pública
e assim revê seus valores pelo viés da vontade humana? É a Bíblia ou o
Ibope?
Críticos da Igreja e das igrejas: vocês já tentaram ouvir? Já lhes
passou pela cabeça que podem estar errados e que devem acatar a primeira
mensagem da igreja cristã? Em tempo: a primeira mensagem da igreja
cristã não foi o amor, mas o chamado ao arrependimento, à mudança de
atitudes e uma nova vida com Deus. Já pararam para pensar que devem
mudar de vida? Há uma possibilidade mínima de que estejam errados, em
seu culto a si e aos seus desejos?
Releia o Sermão da Montanha, Dr. Guzzo. Leia as cartas do Novo
Testamento. Veja o todo para entender a árvores. Absolutizar o ensino do
Sermão da Montanha é ver uma folha e pensar que viu a floresta.
Meus respeitos. Já li muito do senhor, e admiro sua competência. É a
primeira coluna que leio na Veja. Continuarei lendo e respeitando como
intelectual que me instrui. Continuo lendo Maílson da Nóbrega. Que é
competente. Só não leio mais o Xico Trolha por causa do seu Enoc. Deste
pulei fora. Leviandade me agasta.
Do meu leito, na Unimed de Macapá,
Isaltino Gomes Coelho Filho
(Recebido por e-mail)