Por Josias de Souza
O cronista Nelson Rodrigues ensinou que a morte é anterior a si
mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso
processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe. Tome-se o caso de
Lula. Fenece politicamente desde 2005, quando explodiu o mensalão. Mas
demorou dez anos para que a Procuradoria-Geral da Repúlica
providenciasse a lápide.
Veio na forma de uma
denúncia
e de uma petição ao STF. Na denúncia, o procurador-geral pede a
conversão de Lula em réu por ter tentado comprar o silêncio do delator
Nestor Cerveró. Na petição, requisita a inclusão de Lula e outras 29
pessoas no “quadrilhão”, como é conhecido o principal inquérito da Lava
Jato. Nesse texto, Janot esculpiu um epitáfio com cara de óbvio:
“Essa
organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e
de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o
ex-presidente Lula dela participasse.''
A conclusão do
procurador-geral elimina uma excentricidade dos governos do PT. Está
chegando ao fim a era da corrupção acéfala. Janot fez, finalmente,
justiça a Lula, protegendo-o de si mesmo. A pose de Lula diante da
roubalheira não fazia jus à sua fama.
O mal dos partidos
políticos, como se sabe, é que eles têm excesso de cabeças e carência de
miolos. O PT sofre da mesma carência, mas com uma cabeça só. Desde que
empinou a tese do “não sabia”, Lula vinha renegando sua condição de
cérebro solitário do PT. Reivindicava o papel de cego atoleimado.
Se
aceitar a denúncia da Procuradoria, o STF não irá apenas transformar
Lula em réu. Restabelecerá a lógica, acomodando o personagem no topo da
hierarquia da quadrilha.
Mirando para baixo, Janot disparou várias
balas que muitos davam como perdidas. Requereu a inclusão no inquérito
do “quadrilhão” de vários nomões do PT, do PMDB e da vizinhança de
Dilma.
Gente como os ministros palacianos Jaques Wagner, Ricardo
Berzoini e Edinho Silva; os ex-ministros Erenice Guerra, Antonio Palocci
e Henrique Alves; os senadores Jader Barbalho e Delcídio Amaral; o
deputado Eduardo Cunha… De quebra, foi alvejado o principal assessor de
Dilma, Giles Azevedo.
Como se fosse pouco, Janot requereu a
abertura de inquérito contra a própria Dilma, o advogado-geral do
impeachment, José Eduardo Cardozo e, de novo, Lula. Acusa-os de tentar
obstruir as investigações.
No início de março, quando foi
conduzido coercitivamente para prestar depoimento à Polícia Federal por
ordem do juiz Sérgio Moro, Lula reagiu com uma entrevista de timbre
viperino. “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram
no rabo, porque a jararaca está viva.'' Pois bem. Janot acertou a cabeça
da víbora.
Lula estava zonzo desde o dia em que o doutor Moro
atrapalhou sua nomeação para a Casa Civil jogando no ventilador os
diálogos vadios captados em grampos legais. Numa conversa com Dilma, a
jararaca destilara todo o seu veneno:
“Nós temos uma Suprema Corte
totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça
totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. […] Nós
temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido.
Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso
de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar…”
Depois
disso, a Suprema Corte avalizou o rito do impeachment, o presidente da
Câmara coordenou a goleada de 376 X 137, o presidente do Senado passou a
flertar com o vice-presidente “conspirador”, os parlamentares traem
madame gostosamente e Lula revela-se uma cobra sem veneno. Tornando-se
réu, talvez chegue a 2018 mai perto da cadeia do que das urnas.
Quanto
a Dilma, ninguém estranharia se o noticiário sobre sua Presidência
migrasse da editoria de política para o espaço que os jornais reservam
aos avisos fúnebres. Os curiosos lêem compulsivamente, à espera de uma
surpresa agradável. Jurada de morte, madame tenta se convencer de que
ainda está cheia de vida. Mas todos sabem, inclusive seus aliados, que,
mais dia menos dia, acaba o seu dia a dia. Tudo passa, exceto o PMDB,
que é imortal.