domingo, 30 de março de 2014

Verdades e verdades



Francisco Espiridião
 
É sempre assim. Campanha eleitoral sem criatividade não é campanha eleitoral. E criatividade em campanha eleitoral é mesmo um espinho bem apontado no rumo do adversário-concorrente.

Assim, a campanha que se avizinha já começa a mostrar a que veio. Cada um falando a sua verdade. Se bem que nessa seara, há algo a se considerar. Aquela história de que cada um tem a sua verdade e no meio das verdades oponentes encontra-se a verdadeira verdade parece ser mesmo verdade. Perdão pelo (que parece) trocadilho.

Mas é assim mesmo. Existem muitas verdades em torno de um único assunto. Dizem os estudiosos que, para se chegar à genuína verdade, é necessário desconfiar de todas aquelas que se apresentam como tal. Ou seja, no frigir dos ovos, não existe verdade absoluta. Queira-se ou não, essa também parece (parece) ser uma verdade.

Há também quem diga que debaixo de todo angu tem caroço. Sei lá... Onde há fumaça há fogo, dizem outros. A escola do famigerado Joseph Goebebls, o poderoso ministro da Propaganda de Hitler, ensinava, com propriedade, que uma mentira dita e repetida à exaustão torna-se verdade. 

Eis aí uma verdade relativa. Máxima do Direito (será?), o que é público não carece de prova.
Mas, bom que se diga, a verdade é uma assertiva que varia muito do ponto de vista de quem espia. E como espia. Ou tenta entender. Fazendo seu próprio juízo daquilo que lhe está à frente. Objeto nem sempre palpável, mas também virtual.

Pode-se dizer que um copo d’água está meio cheio ou meio vazio, que é a mesma coisa. Verdades ditas de formas diferentes, porém verdades. A prova é que, dependendo do ângulo pelo qual se vê o objeto observado, pode-se extrair várias verdades incontestáveis. Nem sempre uma combinando com a outra.

Consta que, certa feita, determinado ministro fora visitar o presidente Getúlio Vargas em Palácio. Chegou com uma conversa mole, tipo aquela de Nicodemos com o Mestre Jesus (de noite). Mas, ao final, definiu de vez a razão do encontro. Queria espinafrar outro colega de ministério. Ao terminar de ouvi-lo, o “Velho Pai dos Pobres”, que de Jesus não tinha nada, meneou a cabeça e respondeu laconicamente:

– “Você tem Razão!”.

No dia seguinte, foi a vez daquele que havia sido espinafrado junto ao “todo-poderoso” da República. A queixa era a mesma, só que as personagens invertidas. Outra vez, o velho caudilho ouviu com paciência, sem interromper o querelante, e, ao final, aquiesceu com a maior tranquilidade:

– “Você tem razão!”.

Incomodada com a atitude do pai, que beirava as raias da leviandade, Alzirinha Vargas, volta-se com toda a carga:

– Ainda ontem o senhor disse que o ministro ... estava com a razão e, agora, o senhor age da mesma forma, dizendo que este, que ontem, em seu entendimento, estava todo errado, agora também está com a razão? Como é que se explica esse seu procedimento, papai?
Getúlio volta-se para a filha, tira os óculos, encara-a com firmeza e dispara:

– Você também tem razão, Izaurinha!

Numa eleição é assim. Você é obrigado a escolher quem tem razão. Mira num candidato e detona o último cartucho. Se errar, só daí a quatro anos é que vai poder consertar a besteira feita.
Por isso, neste ano, depois da Copa, vai com calma. Afinal, se quiser buscar a essência da verdade como quem está com muita sede indo ao pote, pode terminar sem a verdade. E, ainda por cima, perder a razão.

E triste coisa é perder a razão, abrindo mão da verdade. Aliás, a verdade absoluta existe, sim. Ela atende pelo nome de Cristo Jesus, o Salvador (João 14.6).

quinta-feira, 20 de março de 2014

A síndrome do jaleco branco


Por Francisco Espiridião

A gente sabe, ainda que por vias transversas, que as mulheres vivem mais que os homens. Mas, para ser categórico necessário ter em mãos pesquisa científica, alguma estatística que não deixe margem de dúvida. É assim em quase todas as áreas da vida.

Tomemos como exemplo o caso da justiça. Para que se diga que um copo se quebrou, é necessário anexar aos autos os caquinhos do dito-cujo. Até porque existe aquela máxima em direito de que “o que não está nos autos não está no mundo”.

Muito bem. Em busca dessa confirmação, consultei o sabe tudo dos dias atuais, o bilionário Google. A primeira página que abro, já que a indicação cabia feito luva para minha pesquisa, deparo-me com uma brincadeira das mais divertidas.

A página mostra, em fatos palpáveis, o porquê da afirmativa. Os homens vivem menos que as mulheres porque eles se arriscam mais. Veja em http://www.naomesmo.com/e-por-isso-que-as-mulheres-vivem-mais-que-os-homens/ as maiores presepadas de que os marmanjos são capazes, mostrando que os milhões de neurônios para nada servem. Parecem.

No site se vê as maiores barbaridades cometidas pelos varões em nome do tal heroísmo, da pavonice, ou mesmo da falta de noção do perigo. Como disse um dos comentaristas da página, “coisas de retardado”.

Na verdade, o homem vive menos que a mulher, simples, porque elas se cuidam mais. Vão mais ao médico. O homem sempre tem uma desculpa categórica para fugir do compromisso. A mais batida ainda é a de que não tem tempo para perder na antessala de consultório médico.

Falar em antessala de consultório médico, não conheço nenhuma mais “invocada” que a do urologista. Aquele do exame de toque retal. Na primeira vez em que estive naquela “vexatória” situação, nem tanto. Levei a Eliana para me garantir. Na segunda, fui sozinho.

Confesso que saí de lá sem ter visto ninguém. Sabia que tinha gente do meu lado direito e do esquerdo, esperando a hora de, como boi, ser levado ao matadouro. Não puxei conversa com ninguém. E também ninguém se atreveu a tirar gracinha comigo. Mais “invocado” ainda fiquei na saída.

Mas é assim mesmo. Para buscar um médico, a maioria dos homens precisa mesmo se encontrar numa situação bem difícil, onde a perspectiva de passar desta para a melhor é circunstância iminentemente presente.

O fato é que a recusa de visitar o homem (ou a mulher) de jaleco branco, muitas vezes, está ligada ao receio de ter de receber uma notícia não muito agradável com relação à própria saúde. Desculpas são várias. E as mais descabidas.

Contra toda essa bateria de escapatórias fúteis, no entanto, a Secretaria Estadual da Saúde instituiu um dia especial para que o homem se dispa de seus medos e se veja frente a frente com o “doutor”. Sem custos. Sem estresse. Será nesse sábado (22), das 8h às 13h, na Policlínica Cosme e Silva, no Pintolândia.

A data é o dia “D” contra a tuberculose. Mas os arredios terão também a oportunidade de medir a pressão arterial, a glicemia – muitos caminham na fronteira tênue do diabetes [que é o diabo em carne e osso] e nem sabem. Poderão também se submeter a vacinas contra as hepatites. E, se der sopa, até mesmo a um exame básico de DST/Aids.

A visita ao médico é simples e não dói nada. Nem custa dinheiro – nesse caso. As mulheres o fazem com regularidade. É por isso que elas são mais longevas. Segundo o IBGE, pelo menos sete anos a mais que os homens.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Tempo Vagabundo

Por Francisco Espiridião

A lei da cadeia se impõe à do Estado. Estuprador pobre entrou na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, morre. Eles conhecem as regras. Nem por isso botam as barbas de molho. Agem dentro da maior naturalidade. Daí surgem várias perguntas que, parecem, ficam sem respostas.

Entre os questionamentos, cito pelo menos dois que, no frigir dos ovos, dão na mesma. Primeiro, por que os indivíduos que carregam na carne a dita sociopatia não conseguem pôr acima de seus anseios malignos o instinto de preservação da vida? Segundo, por que tantos não conseguem se consertar diante de soberbos exemplos de execução sumaríssima da pena capital?

Parafraseando o saudoso Cazuza, vivemos um tempo extremamente vagabundo. Um tempo onde a educação ficou no limbo. Não a formal, aquela oferecida – bem ou mal – pelo Poder Público. Mas a do lar.
Mães envolvidas na luta diária, na ferrenha competição com o homem ou mesmo levadas pelas circunstâncias, não veem outra saída a não ser delegar a educação domiciliar à creche, à escola, à igreja.

O quinto livro das Escrituras Sagradas, Deuteronômio, cuja autoria é do profeta Moisés, no capítulo 6 versículos 5 a 8 cita:

“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e ao te levantares. Atá-los-ás à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos.”

“Tu os inculcarás a teus filhos...”. A vida corrida dos dias atuais faz com que os pais quase não tenham mais tempo de trocar figurinhas com seus rebentos. Não dá tempo de verificar cadernos, corrigir tarefas, ajudá-los em suas dificuldades. Muito menos de lhes falar do amor salvador de Cristo, Jesus.

A educação doméstica é importante para a formação do caráter da criança. Mas nesses tempos vagabundos que escolheram para a gente viver é quase impossível exercitá-la. O pátrio poder hoje, mais relativizado impossível. Não só o governo, mas também as circunstâncias ditam como se deve criar filhos.

O resultado, temos visto. E não é o que meu pai sonhou para os seus. O seu Sylvio me ensinou a trabalhar trabalhando. Era funcionário público. Mas nas horas vagas exercia o ofício de carpinteiro. Levava sempre a mim e meus irmãos para a construção.

Íamos para a escola, sim. Brincávamos, sim. Mas em boa parte do tempo ocioso, a gente pegava no pesado. Nós o ajudávamos, carregando um martelo, dando uma ripa, levantando uma tábua. Dizia sempre que trabalho de menino é pouco, mas quem perde é louco.

Hoje, se um pai fizer isso é capaz de o Conselho Tutelar lhe torar o pescoço, levá-lo preso ou destituí-lo do pátrio poder. Enquanto os pais saem para trabalhar, meninos e meninas ficam nas ruas. Aprendendo tudo o que não devem. 

Ou rendendo-se aos encantos da degeneradora de caráter ainda não formado, a internet. E parece que é isso que a “sociedade” quer. Com a prática ipsis litteris do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, estamos criando – ou gerando – monstros.

Sem querer generalizar, quantos possíveis estupradores não teriam se desviado desse caminho pernóstico caso as mães tivessem mais tempo para lhes ensinar, enquanto crianças, que existe um “Papai do céu”?

Hoje, as mulheres se jactam de manter carreiras profissionais honradas. Ganham muito bem. Muitas delas à frente dos melhores e mais importantes postos de comando. Mas, a maioria, quando recosta a cabeça no travesseiro, sente o legado da própria miséria.


Famílias destroçadas. O que tem de mãe solteira que precisa se virar nos trinta, sozinha, para criar os filhos não está escrito. Êta, tempinho vagabundo! E os filhos, criados como Deus criou batata, podem dar em porto seguro? Questão a pensar. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Novos velhos tempos



Francisco Espiridião

Apesar de o Congresso Nacional ter comemorado na terça-feira (25), efetivamente é hoje o dia maior do Plano Real. Era uma segunda-feira, vinte anos atrás, quando o Jornal do Brasil estampou em manchete de duas linhas: “Governo cria URV, dá abono para funcionalismo e pune especuladores”. 

O plano vinha sendo alinhavado havia alguns meses, desde que Fernando Henrique Cardoso assumira o Ministério da Fazenda, sob o comando de Itamar Franco, presidente. O desfecho se deu no domingo, dia 27, quando o mineiro convocou ao Palácio do Planalto seu ministério, e permaneceu trancado com a “moçada” por oito longas horas.

O resultado foi a publicação, no dia seguinte, da Media Provisória (MP) 434. Os preceitos da dita-cuja criavam a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda virtual que tinha o peso de 1 dólar, ou 647,50 cruzeiros reais no dia do lançamento, e exatos 2.750 cruzeiros reais na data da implantação do Real. 

O seleto grupo liderado por FHC era formado por Persio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha, Clóvis Carvalho e Winston Fritsch. Um timaço! Depois de brigas e reconciliações, costuraram aquele que viria, de fato, quebrar todos os paradigmas da economia nacional, jogando no lixo a cultura da hiperinflação, tão arraigada no seio da sociedade. 

Além de dar estabilidade econômica ao país, com uma moeda forte, o Real, que entraria em circulação no dia 1 de julho daquele mesmo ano (1994), os ditames da MP creditavam a FHC a missão de desindexar os contratos, renegociar a dívida externa, manter preços e salários livres, salário mínimo reajustado anualmente (em 1994 ele era de R$ 70), além da aceleração do processo de privatização.

Ao ser lançada, valendo a partir de 1º de março daquele ano, a URV causava uma bagunça generalizada na cabeça de quem muito pouco entendia de economia. O principal dos confundidos com a novidade, confesso, era eu. E olha que demorou para eu entender os meandros da coisa.

Naqueles dias, lembro-me, mandei lavar o carro em um posto. Achando ruim, paguei o que me cobraram. Poucos dias depois, descobri que a dor no bolso tinha sobejas razões. O dono do lava-jato, não sei se pela conturbação do momento ou por aproveitar a deixa, havia me metido a mão em algo parecido com oito vezes mais que o valor de mercado.

Ainda quis voltar lá e pedir, pedir não, exigir o ressarcimento do que paguei a mais. Mas aí, pensei melhor. “Ele vai me chamar de mané”. Seria passar o recibo na minha idiotice. Desisti, é claro.

Mas isso são águas passadas. Queria aqui chamar a atenção para outra face da questão. Não é que o PT, o impoluto Partido dos Trabalhadores, já naquela ocasião, voltara-se contra o plano, chamando-o de “engodo eleitoral”?

Tentou de todas as formas descontruir aquele “gol de placa” desenhado por FHC e seus pupilos. Além de ter votado contra o Plano, o PT ainda chegou a ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

O STF jamais chegou a julgar a tresloucada ação. Mas... Mas se tivesse, quem garante que eu estaria aqui falando dessas e de outras “cositas” menos interessantes?

De saga familiar e rabo de porco



Por Francisco Espiridião 

Acabo de acabar de ler uma das obras mais impressionantes que já tive sob meus olhos nestas décadas de vida. A saga dos Buendia, parida pelo laureado escritor colombiano Gabriel García Marquez nos idos dos anos 1960. A obra tem um enredo que, dizendo, não se tem como acreditar que tudo possa ter nascido na imaginação de uma só pessoa.

“Cem anos de solidão” encerra um intrincado conjunto de atitudes, formado por cenários humanos, alguns efetivamente vivenciados, outros, factíveis apenas no mundo virtual. Mesmo fantasmagóricos, são fortes a ponto de imprimir credibilidade aos relatos.

Ao final, esse conjunto compõe peça única, onde todas as peculiaridades se encaixam como luva, numa sincronia verossímil a ponto de mostrar quão infinitas são as facetas do ser humano, que, já dizia Soren Kierkegaard (1813-1855), é inviável.

Toda a trama começa com o casamento de José Arcádio Buendia com a prima Úrsula Iguaran. Espantados pela lenda de época, de que o casamento entre parentes próximos gerava filhos que nasciam com rabo de porco, por um longo período permaneceram sem consumar de fato o enlace. Uma gracinha sobre esse assunto gerou um dos fantasmas a acompanhar os homens da família ao longo das gerações.

Para fugir dess... bem, não vou aqui querer tirar o prazer de quem se disponha a se aventurar pelas 447 páginas de puro delírio contando aqui tintim por tintim a saga dos Buendia. Por isso, prefiro continuar essa crônica contando algumas passagens que me deixaram a pensar. Sim, o livro faz qualquer leitor vestir a carapuça das personagens, ainda que em algum momento da vida.

Aliás, um dos personagens que mais me impressiona em toda a obra é Petra Cotes. Aparece lá pelo meio da obra, mas, a partir daí, torna-se personagem "hors concours". Impossível se desvencilhar dela. Mulher que nasceu para ser amante. Não qualquer amante, daquelas que buscam apenas se beneficiar do parceiro como se carrapato, parasita fossem.

Petra Cotes viu o amado casar-se com outra, e teve a paciência e a grandeza de esperar, em seu canto, o momento certo de poder desfrutar as benesses da convivência de Aureliano Segundo. Quando este morre, Petra Cotes passa a suprir com uma cesta de alimentos a cada semana, a viúva do amado. Muitas vezes isso ocorre com o sacrifício de sua própria provisão.

Para não desnudar muito o enredo, quero aqui frisar que a saga, que teve início com o amalucado e sonhador José Arcádio Buendia e a prima Úrsula, mulher forte, matrona das boas, longeva, mais de 150 anos de vida, vai se passar praticamente toda em um povoado que nasce do nada, dos devaneios do marido, vive dias de glória e, acaba como começou: no nada.

Enfim, “Cem anos de solidão” mostra que a literatura é “o melhor brinquedo que já inventaram para zombar das pessoas”. Algo parecido com o que dizia o sábio catalão: “A sabedoria não vale a pena se não for possível servir-se dela para inventar uma maneira nova de preparar os grãos-de-bico”.

E os descendentes com rabo de porco, hein? Existiram de verdade ou foi apenas um referencial para expulsar os patriarcas da família Buendia para a Macondo do antedilúvio? No clã, ao longo das gerações, onde os meninos eram batizados como José Arcádio ou Aureliano, e as meninas, Amaranta, tinha mesmo de aparecer um dia o tal rabo de porco. Ou não. Confiram. Vale a pena.