FRANCISCO
ESPIRIDIÃO *
O
genial Cazuza cantou que “a
fome está em toda parte mas
a gente come, levando
a vida na arte”. Na
Venezuela, porém, isso não ocorre. Lá, esse milagre é pura
utopia. Na verdade, crianças morrem às centenas por desnutrição.
Dão o último suspiro em hospitais que não dispõem de uma
cibalena.
A
crise humanitária no país vizinho vem sendo usada pelo governo de
Nicolás Maduro como arma para se perpetuar no poder, a exemplo de
republiquetas africanas, onde os mandatários seguram
o
timão havia
30, 40 anos. E
o
povo, bem,
o povo é mero detalhe.
De
acordo com Ricardo Haussmann, ex-ministro de planejamento do
país
(1992/1993), em artigo publicado na Folha de S.Paulo nesta
quarta-feira (3),
“em vez de tomar medidas para pôr fim à crise humanitária, o
governo de Maduro a está usando para reforçar seu controle
político”.
E
prossegue: “Recusando ofertas de ajuda, ele gasta seus recursos em
sistemas militares de controle de multidões, fabricados pela China,
para conter os protestos.”
É
inegável: o
governo venezuelano implantou, de fato, uma ditadura militar, onde a
maioria dos organismos em funcionamento têm à frente oficiais das
Forças Armadas e Guarda Nacional. Ao invés de buscar saídas para o
que não está dando certo – quase sempre por incompetência do
próprio governo –, Maduro simplesmente defenestra do posto um
técnico e investe de poder um militar completamente alheio ao
serviço, a exemplo do que ocorreu com o setor de petróleo. Hoje,
gasolina é artigo de luxo.
A
saída pela via da intervenção militar é também, hoje, algo
temerário. A cúpula das Forças Armadas é formada por uma maioria
corrupta até a alma, cujos oficiais mais graduados acham-se
envolvidos havia
anos com o contrabando, crimes monetários e propinas, narcotráfico
e mortes extrajudiciais.
Enfim,
a saída
constitucional é coisa para as calendas gregas. A
Assembleia Nacional, eleita pelo voto direto em junho de 2017, nem
sequer chegou a se assentar no parlamento. Foi defenestrada
do poder por uma Suprema Corte nomeada inconstitucionalmente.
Diante
de todas essas considerações, o que sobra é uma Venezuela
afundada
no caos, conturbada em todos os sentidos, onde famílias
disputam comida em sacos de lixo no Centro de Caracas, a Capital,
e
demais conglomerados humanos.
De
acordo com relatório da Organização Panamericana de Saúde (Opas),
milhares de famílias que podiam pagar pela comida, passaram, nos
últimos três anos, a ter dificuldade para encontrar os alimentos
nas prateleiras de
supermercados e bodegas outras.
No
mundo de Cazuza, “nossas armas estão na rua, é um milagre, elas
não matam ninguém”. No de Maduro, Diosdado Cabello 'et caterva'
elas são de fato letais, a exemplo da que matou uma jovem grávida,
de
18 anos, numa fila para receber carne, neste
fim de semana
(31
de dezembro).
Milagre
hoje é sobreviver na bolivariana
república da Venezuela.
Maior milagre, no
entanto, é
se escafeder
de lá,
mesmo que seja para pedir esmolas debaixo dos semáforos
em Boa
Vista.
(*)
Jornalista e escritor; fe.chagas@uol.com.br