quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Milagre!


FRANCISCO ESPIRIDIÃO *

O genial Cazuza cantou que “a fome está em toda parte mas a gente come, levando a vida na arte”. Na Venezuela, porém, isso não ocorre. Lá, esse milagre é pura utopia. Na verdade, crianças morrem às centenas por desnutrição. Dão o último suspiro em hospitais que não dispõem de uma cibalena.

A crise humanitária no país vizinho vem sendo usada pelo governo de Nicolás Maduro como arma para se perpetuar no poder, a exemplo de republiquetas africanas, onde os mandatários seguram o timão havia 30, 40 anos. E o povo, bem, o povo é mero detalhe.

De acordo com Ricardo Haussmann, ex-ministro de planejamento do país (1992/1993), em artigo publicado na Folha de S.Paulo nesta quarta-feira (3), “em vez de tomar medidas para pôr fim à crise humanitária, o governo de Maduro a está usando para reforçar seu controle político”.

E prossegue: “Recusando ofertas de ajuda, ele gasta seus recursos em sistemas militares de controle de multidões, fabricados pela China, para conter os protestos.”

É inegável: o governo venezuelano implantou, de fato, uma ditadura militar, onde a maioria dos organismos em funcionamento têm à frente oficiais das Forças Armadas e Guarda Nacional. Ao invés de buscar saídas para o que não está dando certo – quase sempre por incompetência do próprio governo –, Maduro simplesmente defenestra do posto um técnico e investe de poder um militar completamente alheio ao serviço, a exemplo do que ocorreu com o setor de petróleo. Hoje, gasolina é artigo de luxo.

A saída pela via da intervenção militar é também, hoje, algo temerário. A cúpula das Forças Armadas é formada por uma maioria corrupta até a alma, cujos oficiais mais graduados acham-se envolvidos havia anos com o contrabando, crimes monetários e propinas, narcotráfico e mortes extrajudiciais.

Enfim, a saída constitucional é coisa para as calendas gregas. A Assembleia Nacional, eleita pelo voto direto em junho de 2017, nem sequer chegou a se assentar no parlamento. Foi defenestrada do poder por uma Suprema Corte nomeada inconstitucionalmente.

Diante de todas essas considerações, o que sobra é uma Venezuela afundada no caos, conturbada em todos os sentidos, onde famílias disputam comida em sacos de lixo no Centro de Caracas, a Capital, e demais conglomerados humanos.

De acordo com relatório da Organização Panamericana de Saúde (Opas), milhares de famílias que podiam pagar pela comida, passaram, nos últimos três anos, a ter dificuldade para encontrar os alimentos nas prateleiras de supermercados e bodegas outras.

No mundo de Cazuza, “nossas armas estão na rua, é um milagre, elas não matam ninguém”. No de Maduro, Diosdado Cabello 'et caterva' elas são de fato letais, a exemplo da que matou uma jovem grávida, de 18 anos, numa fila para receber carne, neste fim de semana (31 de dezembro).

Milagre hoje é sobreviver na bolivariana república da Venezuela. Maior milagre, no entanto, é se escafeder de lá, mesmo que seja para pedir esmolas debaixo dos semáforos em Boa Vista.


(*) Jornalista e escritor; fe.chagas@uol.com.br 

Os aposentados do Brasil pagam a conta da corrupção

Coluna do Fraga - R7

O presidente Michel Temer tem defendido com veemência a aprovação da Reforma da Previdência. Em entrevista exclusiva à coluna, chegou a afirmar que, caso isso não ocorra, será necessário cortar pensões e vencimentos de servidores.

Mas o que Temer não diz é que os aposentados vão acabar pagando o pato pelo roubo dos políticos aos cofres públicos.
Um levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo revela que o buraco da corrupção no País é muito maior que o da Previdência (veja mais no quadro abaixo).

Só para efeito de comparação: enquanto o ministro Henrique Meirelles projeta uma economia de R$ 48 bilhões anuais com a reforma, a Fiesp apurou que as práticas corruptas drenam dos cofres públicos assombrosos 2,3% do PIB brasileiro. Assim, considerando os R$ 6,266 trilhões responsáveis por toda a riqueza que produzimos, em 2016, teríamos R$ 144,1 bilhões destinados à bandidagem.

Dito de uma maneira mais direta: o dinheiro tungado pelos corruptos é, exatamente, o triplo do que Temer e Meirelles pretendem economizar com a reforma da Previdência.

Isso mesmo.

O triplo.

Na bandalheira com a coisa pública, as cifras nunca são acanhadas.

Vejamos o caso do Rio de Janeiro. Lá, o delegado da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, que integra o grupo da Operação Lava Jato, estipula que o esquema montado por Sérgio Cabral, deputados estaduais e grandes empresários fez com que o Estado deixasse de arrecadar inacreditáveis R$ 183 bilhões nos últimos cinco anos.
Mais uma vez, a economia com a reforma da Previdência perde de lavada para a corrupção.

Aliás, no Brasil, Previdência e corrupção sempre andaram de mãos dadas. O caso mais célebre foi o da ex-advogada Jorgina de Freitas. Na década de 80, em conluio com servidores, promotores e juízes, ela surrupiou R$ 2 bilhões, do INSS, em valor atualizado.

Jorgina acabou condenada e presa, mas quantas outras Jorginas gozam a vida por aí, enquanto milhões de trabalhadores perdem o sono?
Só os que costumam almoçar com a Fada do Dente podem imaginar que a corrupção na própria Previdência é coisa do passado.

Parece óbvio que a angústia provocada pela eventual reforma da Previdência seria desnecessária caso o combate à corrupção fosse uma política de governo.

Calcula-se que, em 2017, o déficit nas contas da Previdência poderá ultrapassar os R$ 200 bilhões, um aumento substancioso em relação aos R$ 149 bilhões de 2016, que já era bem mais parrudo do que os R$ 85,81 de bilhões de 2015.

Ministro da Previdência Social com Lula e depois com Dilma, Carlos Gabas reconhece o desastre dos números, mas diz que a proposta da reforma está equivocada, e que antes dela é preciso fazer a tributária. "Não se pode sacrificar o peão e deixar quem ganha um milhão por mês sem pagar nada", destaca.

Para Gabas, falta "transparência" ao Governo, que não teria coragem de tocar em privilégios incrustados no serviço público, como o pagamento de R$ 4,37 mil para os juízes a título de auxílio-moradia, e deixar que "97% do Ministério Público ganhe acima do teto".

A numeralha exposta pelo Governo assombra qualquer contador de esquina, mas será que a reforma da Previdência é, de fato, a única alternativa para acabar com esse rombo crescente?
Acredito que não.

Sejamos francos, o dinheiro roubado pelos larápios de colarinho branco é muito maior do que aquele que o Governo pretende tirar a fórceps do bolso da peãozada, como disse Gabas.

A corrupção é a grande doença social. Desde tempos imemoriais, ela impede o nosso crescimento e nos condena a permanecer eternamente deitados em berço esplêndido.

Portanto, é na caça aos corruptos e não aos aposentados que o Governo deve se concentrar.