sábado, 3 de janeiro de 2009

De ortografia e adolescência

Por Francisco Espiridião
Jornalista embaralhado com as novas regras ortográficas

A língua pátria escrita está um pouquinho diferente, a partir deste 1.º de janeiro. Diferente e menos interessante, creio. Perdoem-me os filólogos da Academia Brasileira de Letras (ABL) e o presidente Luis Inacio (sem acento?) Lula da Silva, autoridade-mor que sancionou a novidade.

Acredito que, com a inovação, algumas palavras escritas perderam o glamour. Entre tantas mudanças, já estou sentindo saudades do charmoso trema. Um delinquente sem trema parece um delinquentezinho qualquer. Não tem a impetuosidade que amedronta. Não mete medo em ninguém.

A arguição sem o trema perde a força. Não convence ninguém de coisa nenhuma. Posso estar enganado, mas creio que não surte o mesmo efeito da antiga e forte argumentação.

Aliás, acabo de descobrir que o meu computador também não está nada satisfeito com a idéia.. ih, ideia, sem acento. Está mais inconformado que eu. Mais nostálgico que eu. Ele não aceita de forma alguma a novidade.

Quando escrevi a palavra delinquente como deve ser, dentro da nova realidade ortográfica, desprezando o abolido trema, ele me chamou de burro e tascou o danado lá. Sem meu consentimento.

Quando eu tinha apenas 16 anos de idade, em 1971, sofri o primeiro revés. Fui obrigado a refazer meus conceitos com relação à forma gráfica da “última flor do Lácio”.

Em pleno regime militar, com uma canetada do então ministro da Educação, o coronel Jarbas Passarinho, ficou decidido que tudo aquilo que eu, a duras penas, havia aprendido não devia valer mais nada. Era cultura inútil, digna de lata de lixo.

Até então, eu havia aprendido que não pôr acento agudo em tu (tú, segunda pessoa dos pronomes pessoais do caso reto) era erro gravíssimo. A partir de então, tu, para ficar correto, deveria perder o apêndice. Coisas da ditadura...

E devo confessar que, no mais vigor da minha adolescência, aprender a acentuar as palavras fora (fôra) uma das mais difíceis missões que tivera que enfrentar, além de entender e aceitar a puberdade e suas implicações.

A nossa professora de português no extinto Ginásio, a barbadiana Úrsula Maloney, quase se descabelava para nos ensinar a arte da acentuação. Parêntesis (será que ainda tem o acento?): barbadiana é modo de falar. Era só descendente dos da ilha caribenha que tem o inglês como idioma oficial.

Depois, foi a vez dos mestres da Escola Normal mudar nossa cabeça. O que havíamos aprendido lá atrás não valia mais. Não sei o que foi mais difícil: se aprender a acentuar ou a deixar de pôr os penduricalhos nas letras que formavam palavras.

Agora, aos 54 anos de idade, volto a viver as mesmas dúvidas da adolescência. E olha que já vai longe a ditadura. O País hoje se diz uma democracia. Pelo menos, ainda não temos presidente de mandato indefinido. Até o terceiro mandato está dando um trabalho danado para sair... se sair. Caso seriíssimo!

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