sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

“NA AMAZÔNIA SÓ NÃO TEM BAIANO”, DIZ EX-LÍDER DOS GARIMPEIROS DA REGIÃO


José Altino Machado, 66, ganhou fama internacional ao liderar, nos anos 80, a legião de 40 mil garimpeiros que invadiu as terras dos índios ianomami em Roraima. Também já foi acusado de usar propriedades e aviões particulares, bens acumulados na mineração, para ajudar fazendeiros e madeireiros a invadirem a Terra do Meio, no Pará.
O ex-presidente da União dos Garimpeiros da Amazônia, tantas vezes acusado de genocídio contra os ianomami, vive em Governador Valadares (MG), onde nasceu, e se dedica a criar gado tabapoã e a produzir milho. Mas o fazendeiro não deixa de acompanhar e de dar pitaco sobre o que se passa na Amazônia, como ontem, quando o Supremo Tribunal Federal começou a julgar a ação contra a demarcação da Raposa Serra do Sol, que colocou em pé de guerra índios e agricultores de Roraima.
O julgamento no STF significa a vitória da falta de cultura e da falta de verdade histórica. Antes de mexer em qualquer questão indígena, a sociedade brasileira deveria decidir o que os índios serão para o Brasil. Eles formarão uma nação, eles serão nacionais? Eles terão deveres ou não pertencerão ao país? Essas questões precisam ser solucionadas antes – disse Altino Machado em entrevista ao Blog da Amazônia.
Como líder dos garimperios, Machado era tão ou mais radical que Paulo César Quartiero, o líder dos arrozeiros de Roraima. Mas o que é a Amazônia para esse mineiro que começou a aventura em busca de ouro quando tinha apenas 25 anos de idade e que se tornou num dos personagens mais controversos da história recente da ocupação da região?
Na Amazônia só não tem baiano, que é uma outra raça brasileira. A Amazônia é uma região de pessoas para lá de excepcionais. Ela suga de todas as regiões as pessoas mais rebeldes do sistema social brasileiro, que não aceitam a mendicância, o comando ditatorial de governos. Para a Amazônia se vai pela alma para enfrentar outra fronteira de vida. Na Amazônia, a gente é avaliado pelo que a gente é e não pelo que a gente tem. Essa é a grande diferença da Amazônia em relação ao resto do mundo. Lá só tem quem trabalha, lá só tem quem sabe, quem faz. É por isso que a Amazônia não acomoda baiano.

Leia a entrevista com o xará do blogueiro:

Como o senhor acompanhou o voto do relator, no STF, em manter a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e pela retirada dos arrozeiros?

O julgamento no STF significa a vitoria da falta de cultura e da falta de verdade histórica. Antes de mexer em qualquer questão indígena, a sociedade brasileira deveria decidir o que os índios serão para o Brasil. Eles formarão uma nação, eles serão nacionais? Eles terão deveres ou não pertencerão ao país? Essas questões precisam ser solucionadas antes. Quanto ao voto do relator, tem gente que não nasceu para estar no Supremo Tribunal Federal. É a impressão que aquele ministro passa com um voto político.

Mas os direitos indígenas não estão expressos na Constituição?

Não. Nem as terras são deles. Elas pertencem à União. As comunidades indígenas e seus defensores que me desculpem, mas os índios são uma reles utopia. Eles pregam que devem permanecer com uma cultura, como estão, porém quando um comeu uma branca civilizada, do nosso meio, na forma cultural como os caiapó fazem sexo, foi condenado à cadeia como estuprador. Fizeram isso só para que todo mundo veja que se pode condenar, pois ninguém foi buscá-lo para cumprir a pena. Dos índios ou para eles, tudo o que temos elaborado é em relação ao que eles tem direito. Jamais o que eles significam e são em relação à União nacional. Nunca procuramos dar-lhes autonomia total e definida ou então, por outro lado, providenciamos carteira de identidade para todos. Aí ficaria bem mais fácil terem seus direitos assegurados, sem esbulho. O pior de tudo é que, aculturados, ficarão sem ter o que fazer ou angariar subsistência com isso.

Como o senhor viu o ex-ministro Francisco Rezek, advogado dos arrozeiros, criticando duramente os garimpeiros que ocuparam Roraima nos 80 e 90?

Rezek é o exemplo clássico do academicismo que existe no Brasil, cuja maioria tem medo do povo. E o que estava lá em Roraima, naqueles anos, era o povo. Ele tem todas as razões do mundo para não se dar bem com a gente. Ele não estava preparado para ser chanceler, como não estava preparado para ser ministro do Supremo Tribunal Federal, quando deu uma vitória a Fernando Collor contra o apresentador Sílvio Santos. Ali ele recebeu como prêmio o posto de chanceler do Brasil. Mas não fez nada quando um avião civil foi derrubado pela Colômbia e seus ocupantes, garimpeiros brasileiros, foram assassinados.

A situação em Roraima pode ter impacto em outras regiões da Amazônia?

Lá é mais grave. Ali está acontecendo o começo da africanização do Brasil. Estão misturando duas etnias antagônicas, que não se toleram. A lei pode reconhecer direito original, mas não pode conceder direito original. Em que pese os direitos originais defendidos pelo jurista Dalmo Dalari, os macuxi não têm direitos originais porque nem são índios brasileiros. Eles migraram da costa do Caribe quando foram perseguidos pela colonização espanhola. Os macuxi foram responsáveis pelo maior genocídio de índios contra índios no Brasil. Quase dizimaram os wapixana. E a questão continua: metade quer a divisão da Raposa Serra do Sol e outra metade não quer. Essa rivalidade vai permanecer. Eles, entre si, têm mais rivalidade do que para com o branco. O que ninguém mostra na imprensa é que a Consolata, missão religiosa católica, possui 35 mil reses. Eles nunca esconderam isso, mas ninguém publica. O que está acontecendo já é uma disputa econômica. Da mesma forma que os índios querem mogno mais abaixo, na Amazônia, lá em Roraima querem minas de diamantes. As áreas deles agora têm que ir até onde tem garimpo, onde tem pasto mais verde e diamante.

Eles não têm direito de explorar esses recursos?

Acho que têm, sim. Por isso é que eu acho que, antes de qualquer coisa, é preciso definir o que os índios são para evitar que sejam tomados bens de outros. Para evitar que sejam atropelados os direitos dos outros, precisamos definir quem eles são. Após isso, se define o que deve ser devolvido, o que se entrega a eles, o que os transforma em responsáveis.

E o projeto para exploração mineral em áreas indígenas?

Esse projeto que tramita no Congresso Nacional é uma bobagem, falácia. Ninguém fará contrato com quem não tem obrigação nenhuma em cumpri-lo. Índio é inimputável. É o único povo da terra que carrega o seu direito em trânsito. Para onde eles se movimentam, para onde ele vão, a área se torna deles. Precisamos de leis que digam onde o branco não pode estar nas áreas deles, onde nós não podemos adentrar. Do contrário, nenhuma lei ou autoridade pode obrigá-los a ficar dentro de suas áreas. Foi o caso dos ianomami, que são apenas 7 mil e nunca ocuparam uma área daquele tamanho. Aquilo não existe. Com a chegada do garimpo, a área implodiu porque os índios acorreram, por uma questão de subsistência, para os postos onde estavam os garimpeiros. Isso fazia com se espalhassem de forma mais extensa na área. Então onde não existia índio passou a existir e a área foi sendo ampliada. Boa parte dos macuxi foi trazida das Guianas para o Brasil pela Consolata nos anos 70. Quando a Polícia Federal enyrou no caso foi dito em defesa deles que índio não tem pátria. Então a gente fica sem saber o tamanho dessa coisa.

Como o senhor avalia a política ambiental sob o comando do ministro Carlos Minc?

Eu acho a Marina Silva um doce de pessoa. Quanto ao Carlos Minc, conheci esse rapaz no Rio de Janeiro há muitos anos. Ele tem um currículo bom e imaginava que fosse corresponder ao histórico de resistência contra a ditadura etc. Mas vejo que a magia da cadeira do poder mexeu com a cabeça dele. Esperava-se que ele apresentasse um projeto de como as coisas devem funcionar e não de paralisação. Ele já chegou falando em guarda ambiental, isto é, ele copiou Fernando Collor: um orgasmo a cada continência de um general de quatro estrelas. Mas não pensem eles que a Amazônia vai ficar aí para espaço verde ou par ser invadida amanhã por quem quer que seja. Custa muito dinheiro fazer uma ação militar.

O que é a Amazônia?

Na Amazônia só não tem baiano, que é uma outra raça brasileira. A Amazônia é uma região de pessoas para lá de excepcionais. Ela suga de todas as regiões as pessoas mais rebeldes do sistema social brasileiro, que não aceitam a mendicância, o comando ditatorial de governos. Para a Amazônia se vai pela alma para enfrentar outra fronteira de vida. Na Amazônia, a gente é avaliado pelo que a gente é e não pelo que a gente tem. Essa é a grande diferença da Amazônia em relação ao resto do mundo. Lá só tem quem trabalha, lá só tem quem sabe, quem faz. É por isso que a Amazônia não acomoda baiano. E não tendo sesta, não tem como baiano ficar. Baiano gosta de dormir e acordar tarde. O único baiano na Amazônia que não deu para nada e virou senador foi meu amigo Ademir Andrade. Mas o grande problema mesmo é saber quem são os índios. Quem são os índios e como vamos tratá-los? Quais os direitos que vamos dar a eles? Qual a possibilidade de entendimento que vamos ter com eles? Eu conheço uma sociedade indígena infinitamente melhor do que a maioria das pessoas que fazem as leis dela.

Publicado em 27 de setembro de 2008 em: https://wiltreze.wordpress.com/author/wiltreze/page/91/

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