José Altino Machado, 66, ganhou fama internacional ao liderar, nos anos 80, a legião de 40 mil garimpeiros que invadiu as terras dos índios ianomami em Roraima. Também já foi acusado de usar propriedades e aviões particulares, bens acumulados na mineração, para ajudar fazendeiros e madeireiros a invadirem a Terra do Meio, no Pará.
O ex-presidente da União dos Garimpeiros da Amazônia, tantas
vezes acusado de genocídio contra os ianomami, vive em Governador Valadares
(MG), onde nasceu, e se dedica a criar gado tabapoã e a produzir milho. Mas o
fazendeiro não deixa de acompanhar e de dar pitaco sobre o que se passa na
Amazônia, como ontem, quando o Supremo Tribunal Federal começou a julgar a ação
contra a demarcação da Raposa Serra do Sol, que colocou em pé de guerra índios
e agricultores de Roraima.
O julgamento no STF significa a vitória da falta de cultura
e da falta de verdade histórica. Antes de mexer em qualquer questão indígena, a
sociedade brasileira deveria decidir o que os índios serão para o Brasil. Eles
formarão uma nação, eles serão nacionais? Eles terão deveres ou não pertencerão
ao país? Essas questões precisam ser solucionadas antes – disse Altino Machado
em entrevista ao Blog da Amazônia.
Como líder dos garimperios, Machado era tão ou mais radical
que Paulo César Quartiero, o líder dos arrozeiros de Roraima. Mas o que é a
Amazônia para esse mineiro que começou a aventura em busca de ouro quando tinha
apenas 25 anos de idade e que se tornou num dos personagens mais controversos
da história recente da ocupação da região?
Na Amazônia só não tem baiano, que é uma outra raça
brasileira. A Amazônia é uma região de pessoas para lá de excepcionais. Ela
suga de todas as regiões as pessoas mais rebeldes do sistema social brasileiro,
que não aceitam a mendicância, o comando ditatorial de governos. Para a
Amazônia se vai pela alma para enfrentar outra fronteira de vida. Na Amazônia,
a gente é avaliado pelo que a gente é e não pelo que a gente tem. Essa é a
grande diferença da Amazônia em relação ao resto do mundo. Lá só tem quem trabalha,
lá só tem quem sabe, quem faz. É por isso que a Amazônia não acomoda baiano.
Leia a entrevista com o xará do blogueiro:
Como o senhor acompanhou o voto do relator, no STF, em
manter a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e pela retirada dos
arrozeiros?
O julgamento no STF significa a vitoria da falta de cultura
e da falta de verdade histórica. Antes de mexer em qualquer questão indígena, a
sociedade brasileira deveria decidir o que os índios serão para o Brasil. Eles
formarão uma nação, eles serão nacionais? Eles terão deveres ou não pertencerão
ao país? Essas questões precisam ser solucionadas antes. Quanto ao voto do
relator, tem gente que não nasceu para estar no Supremo Tribunal Federal. É a
impressão que aquele ministro passa com um voto político.
Mas os direitos indígenas não estão expressos na
Constituição?
Não. Nem as terras são deles. Elas pertencem à União. As
comunidades indígenas e seus defensores que me desculpem, mas os índios são uma
reles utopia. Eles pregam que devem permanecer com uma cultura, como estão,
porém quando um comeu uma branca civilizada, do nosso meio, na forma cultural
como os caiapó fazem sexo, foi condenado à cadeia como estuprador. Fizeram isso
só para que todo mundo veja que se pode condenar, pois ninguém foi buscá-lo
para cumprir a pena. Dos índios ou para eles, tudo o que temos elaborado é em
relação ao que eles tem direito. Jamais o que eles significam e são em relação
à União nacional. Nunca procuramos dar-lhes autonomia total e definida ou
então, por outro lado, providenciamos carteira de identidade para todos. Aí
ficaria bem mais fácil terem seus direitos assegurados, sem esbulho. O pior de
tudo é que, aculturados, ficarão sem ter o que fazer ou angariar subsistência
com isso.
Como o senhor viu o ex-ministro Francisco Rezek, advogado
dos arrozeiros, criticando duramente os garimpeiros que ocuparam Roraima nos 80
e 90?
Rezek é o exemplo clássico do academicismo que existe no
Brasil, cuja maioria tem medo do povo. E o que estava lá em Roraima, naqueles
anos, era o povo. Ele tem todas as razões do mundo para não se dar bem com a
gente. Ele não estava preparado para ser chanceler, como não estava preparado
para ser ministro do Supremo Tribunal Federal, quando deu uma vitória a
Fernando Collor contra o apresentador Sílvio Santos. Ali ele recebeu como
prêmio o posto de chanceler do Brasil. Mas não fez nada quando um avião civil
foi derrubado pela Colômbia e seus ocupantes, garimpeiros brasileiros, foram
assassinados.
A situação em Roraima pode ter impacto em outras regiões da
Amazônia?
Lá é mais grave. Ali está acontecendo o começo da
africanização do Brasil. Estão misturando duas etnias antagônicas, que não se
toleram. A lei pode reconhecer direito original, mas não pode conceder direito
original. Em que pese os direitos originais defendidos pelo jurista Dalmo
Dalari, os macuxi não têm direitos originais porque nem são índios brasileiros.
Eles migraram da costa do Caribe quando foram perseguidos pela colonização
espanhola. Os macuxi foram responsáveis pelo maior genocídio de índios contra
índios no Brasil. Quase dizimaram os wapixana. E a questão continua: metade
quer a divisão da Raposa Serra do Sol e outra metade não quer. Essa rivalidade
vai permanecer. Eles, entre si, têm mais rivalidade do que para com o branco. O
que ninguém mostra na imprensa é que a Consolata, missão religiosa católica,
possui 35 mil reses. Eles nunca esconderam isso, mas ninguém publica. O que
está acontecendo já é uma disputa econômica. Da mesma forma que os índios
querem mogno mais abaixo, na Amazônia, lá em Roraima querem minas de diamantes.
As áreas deles agora têm que ir até onde tem garimpo, onde tem pasto mais verde
e diamante.
Eles não têm direito de explorar esses recursos?
Acho que têm, sim. Por isso é que eu acho que, antes de
qualquer coisa, é preciso definir o que os índios são para evitar que sejam
tomados bens de outros. Para evitar que sejam atropelados os direitos dos
outros, precisamos definir quem eles são. Após isso, se define o que deve ser
devolvido, o que se entrega a eles, o que os transforma em responsáveis.
E o projeto para exploração mineral em áreas indígenas?
Esse projeto que tramita no Congresso Nacional é uma
bobagem, falácia. Ninguém fará contrato com quem não tem obrigação nenhuma em
cumpri-lo. Índio é inimputável. É o único povo da terra que carrega o seu
direito em trânsito. Para onde eles se movimentam, para onde ele vão, a área se
torna deles. Precisamos de leis que digam onde o branco não pode estar nas
áreas deles, onde nós não podemos adentrar. Do contrário, nenhuma lei ou
autoridade pode obrigá-los a ficar dentro de suas áreas. Foi o caso dos
ianomami, que são apenas 7 mil e nunca ocuparam uma área daquele tamanho.
Aquilo não existe. Com a chegada do garimpo, a área implodiu porque os índios acorreram,
por uma questão de subsistência, para os postos onde estavam os garimpeiros.
Isso fazia com se espalhassem de forma mais extensa na área. Então onde não
existia índio passou a existir e a área foi sendo ampliada. Boa parte dos
macuxi foi trazida das Guianas para o Brasil pela Consolata nos anos 70. Quando
a Polícia Federal enyrou no caso foi dito em defesa deles que índio não tem
pátria. Então a gente fica sem saber o tamanho dessa coisa.
Como o senhor avalia a política ambiental sob o comando do
ministro Carlos Minc?
Eu acho a Marina Silva um doce de pessoa. Quanto ao Carlos
Minc, conheci esse rapaz no Rio de Janeiro há muitos anos. Ele tem um currículo
bom e imaginava que fosse corresponder ao histórico de resistência contra a
ditadura etc. Mas vejo que a magia da cadeira do poder mexeu com a cabeça dele.
Esperava-se que ele apresentasse um projeto de como as coisas devem funcionar e
não de paralisação. Ele já chegou falando em guarda ambiental, isto é, ele
copiou Fernando Collor: um orgasmo a cada continência de um general de quatro
estrelas. Mas não pensem eles que a Amazônia vai ficar aí para espaço verde ou
par ser invadida amanhã por quem quer que seja. Custa muito dinheiro fazer uma
ação militar.
O que é a Amazônia?
Na Amazônia só não tem baiano, que é uma outra raça
brasileira. A Amazônia é uma região de pessoas para lá de excepcionais. Ela
suga de todas as regiões as pessoas mais rebeldes do sistema social brasileiro,
que não aceitam a mendicância, o comando ditatorial de governos. Para a
Amazônia se vai pela alma para enfrentar outra fronteira de vida. Na Amazônia,
a gente é avaliado pelo que a gente é e não pelo que a gente tem. Essa é a
grande diferença da Amazônia em relação ao resto do mundo. Lá só tem quem
trabalha, lá só tem quem sabe, quem faz. É por isso que a Amazônia não acomoda
baiano. E não tendo sesta, não tem como baiano ficar. Baiano gosta de dormir e
acordar tarde. O único baiano na Amazônia que não deu para nada e virou senador
foi meu amigo Ademir Andrade. Mas o grande problema mesmo é saber quem são os
índios. Quem são os índios e como vamos tratá-los? Quais os direitos que vamos
dar a eles? Qual a possibilidade de entendimento que vamos ter com eles? Eu
conheço uma sociedade indígena infinitamente melhor do que a maioria das
pessoas que fazem as leis dela.
Publicado em 27 de setembro de 2008 em: https://wiltreze.wordpress.com/author/wiltreze/page/91/
Publicado em 27 de setembro de 2008 em: https://wiltreze.wordpress.com/author/wiltreze/page/91/
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