Durante uma visita a uma loja de produtos naturais, a
blogueira Jordan Younger, 25, entrou em pânico: o estabelecimento em Nova York
não tinha o suco de vegetais que ela queria. Jordan passou cerca de 15 minutos
em dúvida, analisando as opções disponíveis, enquanto suas amigas esperavam uma
decisão – que não veio. Diante da angústia, ela sugeriu que fossem a outra loja
da mesma franquia. As três andaram 1,5 km até o local onde Jordan, aliviada,
encontrou a bebida. “Tinha pavor de comer ou beber algo que não havia
planejado. Eu precisava de comida e não me permitia comer por 5 bilhões de
motivos, que são difíceis de explicar”, desafabou em seu blog, então voltado ao
veganismo.
No post, a norte-americana descreve o ponto alto da angústia
causada por um distúrbio ainda pouco conhecido: a ortorexia nervosa. O problema
aparece quando a preocupação em comer de forma correta vira obsessão –
inclusive com características de TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Ao
contrário da anorexia ou bulimia, que visam exclusivamente a relação com o
peso, o foco da ortorexia é totalmente voltado à saúde – que pode resultar em
perda de peso, mas o objetivo é sempre estar “puro”. Uma ideia fixa que leva a
frase "que seu remédio seja seu alimento e que seu alimento seja seu
remédio" a um ponto ironicamente doentio.
“Só me sentia confortável em comer vegetais, batata doce,
quinoa e, ocasionalmente, suco verde com um pouco de banana”, contou Jordan ao
TAB, sobre o processo em que o ortoréxico restringe mais e mais sua
alimentação, até que se conte nos dedos (e de uma única mão) os componentes do
cardápio. A “bolha de restrição” segue uma lógica diferente para cada paciente,
que se apodera do tom médico em suas justificativas: esse alimento dá alergia,
aquele atrapalha a digestão, o outro reforça a asma.
A vida e o pensamento do ortoréxico giram em torno da
comida, a ponto de a alimentação definir sua autoestima e seu valor pessoal.
Enquanto o anoréxico nunca se vê magro o bastante, o ortoréxico nunca se sente
puro o bastante – e acha que a solução pode estar naquilo que ingere. A forma
como ele come é mais importante do que trabalho e vida pessoal. Outra
interpretação extrema, agora de outra máxima: “você é o que você come”.
BATALHA INTERNA
“Não chega a ser uma questão de saúde pública. Mas estamos
em um surto de ortorexia, como ocorreu nos anos 80 durante a onda macrobiótica
[que prega o consumo de cereais integrais, grãos e vegetais para manter o
bem-estar físico e emocional]”, afirma Eduardo Aratangy, médico supervisor do
Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas, em São Paulo.
A instituição não divulga o número de casos tratados, porém
algumas características são comuns entre os pacientes: sexo feminino, entre fim
da adolescência e 25 anos, muito preocupadas com o corpo, moradoras de ambiente
urbano e de classe econômica elevada. “Esses traços favorecem, mas não
determinam a existência da patologia. Se não, seria como dizer que todo
apreciador de cerveja tem problemas com álcool”, afirma Aratangy.
O principal desafio em lidar com a ortorexia está justamente
na máscara dos hábitos saudáveis – o distúrbio vem em uma embalagem cheia de
vantagens e tem grandes chances de agradar, quando o legal é ter um
#estilodevida baseado nas hashtags #clean #orgânico #comidasaudável e #foco,
para citar alguns poucos exemplos.
No caso da ortorexia, a qualidade dos alimentos ingeridos
não tem impacto só no corpo, mas também na identidade, fazendo com que a pessoa
se sinta superior aos demais por seguir sua dieta à risca. Em contrapartida,
qualquer falha - desde a ingestão de uma única uva passa até uma pizza inteira
seguida por um pote de sorvete - leva à punição: um cardápio ainda mais
restrito e até períodos de jejum para desintoxicar. Afinal, no pain, no gain.
Hashtags e frases motivadoras movem o mundo fitness na rede
social Instagram, “a melhor plataforma para estudar distúrbios relacionados ao
corpo”, como define Joana Novaes, psicanalista e coordenadora do núcleo de
doenças da beleza da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio). “Muitos
não se dão conta do problema, porque acreditam ser e parecem ser saudáveis.
Ganham aplausos, são vistos como disciplinados, viram alvo de admiração. O
distúrbio só fica evidente quando o ortoréxico passa a evitar relacionamentos,
lugares e eventos que não lhe garantem o controle sobre a procedência e o
preparo da comida”, afirma.
Segundo Joana, é isso que diferencia a preocupação em ser
saudável (seria melhor comer tal coisa) de uma patologia (só como se for tal
coisa). Por causa da obsessão – “eu mesmo vou à feira”, “eu mesmo escolho o
tomate orgânico”, “eu mesmo o preparo”, “o que exatamente tem nesse suco?” -,
especialistas colocam a ortorexia sob o guarda-chuva do TOC e não de outros
distúrbios alimentares, apesar de haver características em comum. Outro
agravante nessa intensa perseguição da saúde pode vir da prática de exercícios
físicos, que os ortoréxicos associam cada vez mais a seus cardápios restritos,
criando assim o falso combo do bem-estar.
Era este o caso de Kate Finn, que ganhava a vida como
instrutora de ioga nos Estados Unidos e mantinha uma dieta à base de vegetais
crus, frutas, grãos e sementes. A combinação fez com que ela perdesse muito
peso e fosse diagnosticada com anorexia quando chegou aos 43 quilos. "Me
sentia incompreendida. Pensavam que eu tinha medo de ficar gorda, mas meu foco
em todas as dietas que experimentei era ser saudável", escreveu.
Ao ler um
artigo sobre ortorexia, Kate Finn se identificou com os sintomas e passou a tratar o
problema, buscando equilíbrio na alimentação. O esforço não bastou: morreu
em 2003, aos 37 anos, vítima de uma parada cardíaca associada a seu corpo
debilitado.
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