domingo, 14 de setembro de 2008

Crônica

Barrada no baile


Por FRANCISCO ESPIRIDIÃO

O bom senso manda que não se deve viver do passado. Belchior canta em uma de suas músicas que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Não sejamos, no entanto, tão radicais assim. Quem já viveu décadas, feito eu, sempre se vê tentado a dar uma espiadela no retrovisor do tempo.
E, às vezes, nesse exercício de nostalgia descabida, vem à retina os mais remotos e reflexivos quadros. Coisas curiosas nos tomam de assalto. Uma data. Por exemplo, hoje, 13 de setembro. Para muitos, um dia como outro qualquer. Será? Nem tanto.
Em época não tão remota assim, o 13 de setembro foi de grandes comemorações. Aliás, nem faz tanto tempo assim, a ponto de serem esquecidas. Quem não se lembra dos preparativos em família, visando o grande desfile cívico?
Dois grandes desfiles em menos de uma semana. Dias 7 e 13 de setembro. Bicicletas enfeitadas, farda passada na goma, meninas-baliza fazendo das suas diante do palanque das autoridades... Uma festa!
E os grandes bailes de gala do então Palácio 31 de Março? Nessa data, o Paço do Centro Cívico perdia todo o ranço administrativo do dia-a-dia, beirando à acidez, para se transformar no ambiente de fazer inveja a qualquer “cinderela” antes da meia-noite.
Homens de fraque e casaca, copo de uísque nas mãos. Mulheres – tanto debutantes ninfetas como as mais passadas balzaquianas –, de longos vermelhos, outros brancos, costas nuas, seios aparecendo furtivamente, num jogo de mostra-esconde...
A partir das 23 horas desse dia, a festança rolava solta no Paço. Era um liberar geral de energias. Alguns, com tráfego entre os chegados do Poder, aproveitavam para revelar dotes antes reprimidos. Outros, impedidos que eram de participar, por razões óbvias, se pudessem jogavam pedras no iluminado mundo da fantasia.
A primeira dessas festivas reuniões que participei, foi em 1980. Calma. Longe estava eu de ser um dos que tinham “tráfego entre os chegados do poder”. Estava ali por acidente. Como sargento comandante da guarda, meu negócio era manter a ordem. Segurar os comandados para que também não entrassem na festa.
A estancada tradição do grande baile vinha de longe. Não pesquisei, mas acho que nascera em 1944, para marcar o primeiro aniversário de criação do Território Federal, na época, apelidado de Rio Branco. Vem daí a mania do Centro-Sul de nos confundir geograficamente. Antes com o Acre (cuja capital é Rio Branco – Território do Rio Branco), hoje com Rondônia, cuja sigla RO, parece-se com ROraima.
Em 1980, o governador era o brigadeiro Ottomar de Souza Pinto. No Corpo da Guarda do Palácio 31 de Março, uma lista de “personas non gratas”, impedidas de adentrar o recinto. Muito bem vestida, uma madame do “high society”, hoje mãe de conhecido advogado, chega, toda prosa:
– Noite linda, não, seu guarda! – cumprimenta-me, à entrada.
– Sinto muito, minha senhora, infelizmente, não posso deixá-la entrar. Seu nome consta da lista.
– Que lista?
– Essa aqui, ó!
– Que absurdo! Aonde já se viu, uma dama barrada na entrada do baile, logo no baile do Território... Quem é o seu chefe?
– Minha senhora, veja aqui, de quem é essa assinatura?
– Tudo bem, não vou entrar, mas vou ficar aqui na frente até que a festa acabe.
– A senhora é quem sabe...

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