Estima-se em 7 mil o número de padres "desgarrados" no Brasil. Eles abandonam o sacerdócio para se casar ou viver em união estável. Muitas vezes, enfrentam preconceitos
Por: Rodrigo Couto
A falta de sacerdotes no interior e nas grandes cidades do país pode estar sendo potencializada pelo fato de que muitos têm abandonado a batina para se casar. Apesar de a Igreja Católica não divulgar oficialmente estatísticas sobre presbíteros que optaram pelo matrimônio, o Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados estima que existam pelo menos 7 mil pessoas nessa condição ou vivendo em união estável no Brasil. Pesquisa multinacional do Vaticano revelou que, de 1964 a 2004, 69 mil pessoas largaram as obrigações religiosas para viver uma vida a dois. Depois de se desvincularem da doutrina, alguns são vítimas de preconceito e têm dificuldade para conseguir um emprego. Outros, mesmo após constituir família e com uma carreira profissional estabilizada, pedem para voltar a realizar missas.
É o caso do padre Antonio Evangelista, 53 anos, hoje advogado e professor de filosofia em uma universidade de Brasília. Casado com a dentista Aila Ribeiro, 48 anos, desde 2000 — mesmo ano em que recebeu a autorização do Vaticano para o matrimônio — Evangelista acredita que poderia voltar a realizar missas para os fiéis. “A Igreja deveria permitir que os padres casados rezassem para a comunidade. Hoje, depois do convívio familiar, me sinto mais preparado”, afirma. Mesmo sem o aval para a consagração do pão e do vinho, ele mantém a prática em sua casa. “Em ocasiões especiais, como a Páscoa, celebro entre a família e os amigos”, salienta Evangelista, que coordena o movimento das famílias dos padres casados no DF. Estimativas da associação apontam que a capital federal deve abrigar aproximadamente 200 sacerdotes nessa situação.
Para a Igreja Católica, o sacramento da ordem, recebido pelos seminaristas quando se tornam padres, é eterno, como o batismo e o casamento. Por isso, não existe ex-padre. Apesar da pouca idade, os dois filhos de Evangelista nunca contestaram sua situação de sacerdote casado. Na opinião de Dimarco, 8 anos, a missa do seu pai é melhor que a das igrejas. “É com menos gente e mais rápida. Assim tenho tempo para brincar”, diz o garoto. “Acho bom porque não preciso sair de casa”, completa Theodoro, 6.
Evangelista e Aila se conheceram em 1996 na paróquia do Santíssimo Sacramento, na L2 Sul. Ordenado em 1989, o padre revolveu solicitar o desligamento de suas atividades na igreja em 1999, quando decidiu se casar com uma das integrantes da equipe de liturgia. “Não me arrependo de nada, mesmo com as dificuldades enfrentadas tanto no seio familiar quanto entre os frequentadores da paróquia”, lembra. Segundo Aila, é uma incoerência da Igreja não permitir que padres casados realizem missas. “É lamentável ter de optar”, ressalta.
Celibatofobia
Questionado sobre o fim do celibato entre os padres, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, é enfático. “Seria um erro a Igreja do rito latino perder essa riqueza que temos construído ao longo dos séculos”, afirma. “Acho impressionante como o celibato questiona. Parece que hoje há uma celibatofobia. Quem opta por uma vida consagrada na castidade é uma espécie de E.T. e pessoa desequilibrada, o que não é verdade. O celibato é uma fonte inesgotável de santificação”, opina.
Na opinião de dom Dimas, quem melhor expressou a relação entre casamento e celibato foi o papa João Paulo II no catecismo da Igreja: “Celibato e matrimônio vêm do mesmo senhor e os dois exigem renúncia”, cita.
Nascido na pequena São Domingos de Goiás, o padre Tarcísio Bráulio, 30 anos, não se arrepende de ter largado a função que exercia em uma igreja de Planaltina (GO) para viver um amor avassalador com a então secretária paroquial Valdenice Ribeiro, 25. “Me ordenei sem vocação. Não tenho vontade de voltar a celebrar missas”, reconhece. Preceituado em 3 de julho de 2004, Bráulio pediu o desligamento — ainda não enviado ao Vaticano — em 15 de fevereiro de 2009. “Estava vivendo uma vida dupla, por isso pedi o afastamento”, relata, ao confirmar que chegou a manter relações sexuais com Valdenice quando ainda celebrava missas. “Errei. Pedi perdão ao bispo e optei por sair”, comentou.
Pai do pequeno Tiago, com um mês de vida, Tarcísio vive ao lado de Valdenice, que já é mãe de outras duas crianças. “Ela já estava separada quando decidimos ficar juntos”, adianta. Funcionário público desde dezembro, o padre diz que foi vítima de preconceito e teve dificuldade para obter emprego. “Fomos rejeitados por parte da comunidade e só consegui trabalhar porque um catequista de Planaltina me indicou para uma vaga”, observa. Em sua opinião, Valdenice foi quem mais sofreu. “Nesse caso, a mulher é considerada culpada. Quando saíamos às ruas as pessoas apontavam.” Defensor do celibato opcional, Tarcísio não se vê novamente na função de padre. “Fui muito feliz, mas faltava algo para me completar”, conta.
Abstenção sexual
Para a Igreja Católica, o conceito vai além da proibição do casamento e de uma esposa. É a abstenção de relações sexuais para os que alcançaram o grau presbiteral (padre) ou episcopal (bispo). No Brasil e nos países que adotam o rito latino, o celibato não é exigido no diaconal (diáconos), primeiro grau do sacramento da ordem.
Seguido pela maioria
A Igreja Católica brasileira segue, predominantemente, o rito latino. Quase 98% dos fiéis de todo o planeta seguem essa corrente. Ao contrário do rito latino, o oriental permite o celibato voluntário entre os padres.
(Transcrito do Correio Braziliense, de 17/5/2010, às 13h50)
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