Uma relação norteada pelo medo. A frase, que poderia ser título de um filme, é a melhor descrição para o relacionamento
de sete anos de M.C., 31 anos, segundo ele mesmo. E o culpado era o
próprio bancário, reconhece. A companheira não saía mais com M.C., pois
qualquer evento poderia terminar em um ataque de fúria. O começo do fim ocorreu num estacionamento. Enquanto aguardava pela vaga, outro rapaz se antecipou.
De forma agressiva, o bancário foi pedir satisfações
e o rapaz fugiu. Depois do episódio, ela pediu pelo fim do
relacionamento. “Ela tinha medo de discutir qualquer assunto comigo. Eu
achava minha conduta normal, mas na verdade eu era o famoso ignorante”,
atesta. Foi então que ele percebeu que algo precisava mudar. Procurou
uma psicóloga e mudou hábitos. A corrida foi uma aliada de M.C., que também passou a evitar determinados tipos de filme e estilos de música.
No caso de M.C., mudar a rotina foi suficiente para diminuir a sua raiva. Mas há casos em que não é o suficiente. Por isso, além dos tradicionais tratamentos farmacológicos e das psicoterapias, existem técnicas que estão conquistando novos adeptos pelo mundo. Entre elas, a Comunicação Não-Violenta
(CNV), sistematizada pelo psicólogo Marshall Rosenberg, que se trata de
uma abordagem que desenvolve as competências relacionais necessárias
para acolher as emoções e lidar com os conflitos
– internos e externos – de forma mais sustentável. A facilitadora de
grupos de estudo e prática, Maristela S. Lima, explica que a CNV
trabalha com duas frentes: a expressão honesta e o acolhimento empático.
Por expressão honesta entende-se que um indivíduo deve observar a
situação sem julgá-la, permitindo que a outra parte compreenda qual a
sua real necessidade. “Depois disso é que o indivíduo pode fazer um
pedido realizável pela outra parte para atender seu próprio bem-estar”,
destaca Maristela. No acolhimento empático, em contrapartida, o
indivíduo precisa acolher o sentimento do outro tentando perceber o que é
realmente importante. “Esta construção possibilita que os dois
encontrem juntos a solução ideal para ambos”.
Este exercício traz à tona a responsabilidade de cada um por seus próprios sentimentos,
sem culpa. “Para que isso aconteça, a atenção deve estar focada na
situação presente e deve existir uma clara intenção de se conectar com o
outro”. Hoje, existem profissionais da psicologia que recomendam a CNV
mesmo que ela não seja considerada um tratamento, pois apresenta efeitos
terapêuticos.
São muitas as situações que – junto com a sensação de injustiça e
humilhação, com a mágoa e a ameaça – deixam a pessoa impaciente e com
emoções como a raiva, que nasce no sistema límbico do cérebro por
inúmeros fatores. A médica psiquiatra Elke Fernandes explica que é a raiva que libera hormônios como a adrenalina
no corpo, mas é o córtex que avalia a situação e decide como o
indivíduo deve reagir. “O córtex reconhece a emoção, nomeia e analisa as
formas de lidar com ela. Alguns chegam a negá-la ou reprimi-la. Porém,
com baixo autocontrole ou grande impulsividade, a raiva pode então
explodir, caso não seja coibida pela razão”, ressalta.
Sinal vermelho
A história de L.M., 56 anos, começou ainda criança, quando ela era
agressiva ao ser contrariada pelos pais. Não concluiu a faculdade, ficou
pouco tempo no emprego e, quando começou a namorar, tinha ataques de
fúria frequentes até que as agressões, antes verbais, se tornaram também
físicas. Foi quando o marido formalizou o pedido de divórcio que ela
recusou. Com uma segunda chance, L.M. iniciou sessões de terapia e
acompanhamento psiquiátrico.
Embora sentir raiva seja universal, por si, ela não é capaz de
desencadear ataques de fúria. Alguns fatores devem chamar a atenção para
a necessidade de uma avaliação profissional: a frequência e intensidade
dos episódios, as manifestações de agressividade verbal ou física,
destruição de patrimônio ou autoagressão e consequências graves dos atos
para a vida pessoal e ocupacional do indivíduo. No entanto, Elke
Fernandes reforça que a irritabilidade é comum em vários transtornos e
que cada um apresenta sintomas específicos que merecem a avaliação
aprofundada de gente capacitada para o diagnóstico.
O tratamento destes transtornos pode ser psicossocial ou farmacológico. A sugestão da psiquiatra é um programa de uso de técnicas de manejo da raiva – como as rodas de conversa CNV –, na prática de assertividade e nas terapias cognitivo-comportamental.
Para este, vai depender de um diagnóstico médico, que deve avaliar a
presença de outros transtornos, interações com remédios e tolerância
pessoal.
Ela também reforça que é essencial associar a psicoterapia ao
tratamento farmacológico e orientar os familiares sobre como auxiliar
uma pessoa no momento da crise. O tratamento associado foi uma luz no
fim do túnel para L.M., que afirma ser só o começo de uma mudança
radical. “Hoje posso dizer que sou outra pessoa, estou bem e vivo
desfrutando o melhor”, salienta.

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