quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O mistério da ética

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República vai encomendar uma pesquisa nacional para ouvir o que os brasileiros pensam da ética no serviço público. Serão gastos R$ 150 mil para a contratação de um instituto especializado no assunto. Decisões da comissão vêm sendo contestadas pelo próprio governo.

A princípio eu achei que estávamos diante de mais um exemplo típico da série que o José Simão, da Folha de S. Paulo, chama “o país da piada pronta”. Quer dizer: como o governo do PT não sabe o que é ética, será necessário encomendar a resposta a um especialista, que por sua vez também não sabe, e vai fazer uma pesquisa para descobrir.

Depois, pensei melhor e cheguei à conclusão de que a iniciativa tem lá seu sentido. Se o PT soubesse o que é ética seu governo não teria pagado mensalão, nem se envolvido com sanguessugas, ou entrado na história do dossiê, da gautama e mais recentemente no rolo do zeca do Matogrosso do Sul.

Se o presidente Lula estivesse seguro do que é ética, não teria dado entrevista àquela jornalista, em Paris, em 2005, para dizer que a acusação que fazia ao PT era, na prática, comum a todos os partidos. Ou não repetiria a frase “eu não sabia”, que antes me parecia o ícone da falta de ética. Então, é razoável gastar aqueles R$ 150 mil para descobrir o que é mesmo ética e, a começar pelo presidente, orientar o governo sobre o assunto.

Creio que grande parte do pecado do PT – se é que o PT cometeu algum – é ignorar o conceito de ética, provavelmente um valor excessivamente burguês para que se exija seu respeito por parte do povo. Só a mídia golpista teria tal expectativa.

Ainda que o presidente e o PT soubessem o que é ética, estariam eles obrigados a praticá-la? Por que? Um padre está sendo questionando justamente por seu comportamento na relação com jovens que lhe cabia proteger; o mais importante senador da República está sendo processado por desrespeito às normas de conduta dele esperadas; uma megaempresa multinacional está sob cerco fiscal acusada de sonegação no Brasil.

Ou seja, descaso para com a ética é mais comum do que obediência a ela, que muitos nem sabem o que seja, de fato. Por exemplo: você acha que se o Zé Dirceu soubesse de que se trata teria repetido tanto a história do “este governo não rouba e não deixa roubar”?

José Negreiros é jornalista (josenegreiros@terra.com.br)

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