segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Pedofilia de batina

Por Francisco Espiridião

A Rede Record de Televisão mostrou na noite deste domingo (4/11), através do programa Domingo Espetacular uma das mais completas reportagens já exibidas na televisão brasileira sobre a prática da pedofilia no seio da Igreja Católica. Traços da cruel realidade vivida por meninos e meninas sodomizados e violentados sexualmente foram ali expostos como bisturi dilacerando a viva carne.

O problema, que de novo nada tem, retrata um quê de câncer a se disseminar. O pior, segundo a reportagem, a Igreja sabe quem são os pedófilos a lhe macular a aura de santidade, porém não toma providências capazes de barrar ignóbeis atos. Ao contrário, usa de todos os artifícios para lhes acobertar a prática.

A matéria mostrou que um dos maiores incentivadores do acobertamento de criminosos sexuais dentro da Igreja é nada menos que o atual papa Bento 16, Joseph Ratzinger, de batismo. Durante o período em que Ratzinger permaneceu à frente da Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição para o Santo Ofício), trabalhou para guardar todas as denúncias sob manto inacessível.

Para isso, não se permitia regatear. A reportagem mostrou que em determinado momento a Cúria Metropolitana chegou a manter em disponibilidade um orçamento de 12 milhões de reais para indenizar famílias atingidas. A idéia do Vaticano é que pagando tudo fica bem. Nenhuma preocupação com o indivíduo molestado.

Idéia torta. Por certo que não há dinheiro que possa apagar as marcas indeléveis do intelecto de um ser humano seviciado na mais tenra idade. As conseqüências são mais que visíveis na sociedade. Não é necessário ser psicólogo para detectá-las.

Da mesma forma, não é preciso fazer grande esforço para encontrar pelo menos um dos fatores preponderantes que levam grande número de sacerdotes a enveredar pelos sombrios caminhos da pedofilia. E não só da pedofilia, mas também da homossexualidade, que tem assombrado sobremaneira a Igreja.

Em Porto Velho, nos anos 1970, todos conheciam a vida desregrada de um padre, italiano de nascimento e rondoniense por adoção. Não vou delatar-lhe o nome, mas o “de batina” era famoso em duas áreas distintas: gostava de andar em seu Fusca sempre de pé em baixo e contabilizava uma dúzia de filhos com mulheres diversas. Verdadeiro “Dom Juan”.

Esse fator preponderante chama-se celibato obrigatório. Instituído pelo papa Gregório VII (1073 a 1085), o celibato obrigatório visa solapar do jovem idealista que acredita ter a vocação para o sacerdócio um dos mais legítimos instintos humanos, a sexualidade.

Bom lembrar que tal prática nada tem de determinação bíblica ou questão místico-dogmática da Igreja, mas sim de modus operandi. Fica mais fácil para a Cúria Romana dominar um padre celibatário, que não tenha nada com que se preocupar senão os “trabalhos de Deus”, do que um que tenha família e todas as suas implicações.

Essa visão, além de crudelíssima para o jovem idealista que abraça o sacerdócio, rasga várias páginas da Bíblia Sagrada. Em Marcos 6.6-9, Jesus diz: “Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.”

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios (I) no capítulo 7.1-3 cita: “Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher; mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido. O marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher ao marido.” E continua: (V.8-9) “Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom se ficarem como eu (solteiros). Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se.”

O mesmo apóstolo, enfatizando a apostasia (declinação) da fé (I Timóteo 4), cita: “Pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência; proibindo o casamento, e ordenando a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças...”

E, para matar a charada, o mesmo apóstolo Paulo cita em I Timóteo 3.2-5: “Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja. Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, não contencioso, não avarento; que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia. Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?”

Se a Igreja Católica abrisse mão do celibato obrigatório, boa parte dos problemas que hoje assombram as hostes eclesiásticas poderia ser extinta. É claro que, por ser o ser humano uno, complexo e indevassável em sua natureza, só isso não será suficiente para extirpar de vez o problema conhecido como pedofilia de batina, mas terá sido o primeiro passo.

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