quinta-feira, 26 de março de 2009

Exemplo que arrasta

Por FRANCISCO ESPIRIDIÃO

Em 2001, quando o Governo Fernando Henrique Cardoso levantou a bandeira da criação de cotas para negros ingressarem nas universidades, manifestei-me contrário à medida. Em artigo publicado no jornal Tribuna do Estado de Roraima, eu dizia, na época, que os negros não precisavam de subterfúgios para se encontrar como cidadãos de primeira categoria.

Meus argumentos, na ocasião, eram que, com a instituição de cotas para que os “afrodescendentes” se vissem frequentando o ensino superior, antes de resolver o problema, o governo estaria criando outro. Estaria impingindo aos negros a pecha da incapacidade intelectual. Não faltaria um branquinho qualquer a passar-lhe isso na cara. “Você só está aqui por conta das cotas, você não tem capacidade!”.

Como saída, eu propunha na época (como se minha palavra tivesse algum eco – quanta pretensão!), que, ao invés de cotas, os governos – nos três níveis – pudessem estabelecer uma forma de melhorar o ensino público, criando até mesmo cursinhos para que os sem condições de pagar os tantos particulares existentes por aí, pudessem não ficar tão para trás.

Para minha surpresa, leio hoje que a prefeitura de Rondonópolis (MT) está aderindo a essa proposta. O prefeito José Carlos do Pátio entregou à Câmara Municipal, nesta terça-feira, 24, para votação, o projeto que cria o Cursinho Pré-Vestibular Gratuito.

O projeto, que já conta com a anuência dos membros daquela Casa Legislativa, visa facilitar a vida de jovens de famílias humildes, que não dispõem de recursos para frequentar cursinhos pagos. A ideia acatada pela Secretaria Municipal de Educação vem do Movimento Negro da cidade, que já oferecia o cursinho de forma voluntária, desde 2006.

Além de remunerar os professores que antes trabalhavam de forma voluntária, a prefeitura vai se responsabilizar pela confecção das apostilas elaboradas pelo Movimento Negro. A criação do cursinho, na avaliação do prefeito, consolida uma política de inclusão social.

A idéia de que indivíduos negros são menos inteligentes que os que ostentam pele menos pigmentada é algo que não mais se encaixa em nossos dias. Querer tratar negros como indivíduos incapazes intelectualmente é fazer coro com o geneticista americano James D. Watson, que durante 35 anos dirigiu o laboratório Cold Spring Harbor, de Nova York.

Watson foi obrigado a pedir aposentadoria em 2007, depois de ter declarado em artigo publicado na revista Sunday Times que os negros africanos eram inferiores aos homens brancos.

Para desmesticar a ideia torta do cientista americano, estão aí nomes como o de Pelé, o rei do futebol. Passadas várias décadas, nenhum branco no Mundo conseguiu superar-lhe em talento dentro dos gramados. O trompetista Louis Armstrong, considerado a “personificação do jazz”, também mostra que a inteligência humana não considera a cor da pele. Miríades de outros exemplos poderiam ser citados.

O que falta mesmo é oportunidade. E isso não se resume apenas aos negros. Muitos brancos cheios de talento estão se perdendo pelas vielas escuras brasileiras em razão de não dispor de recursos para sentarem em bancos escolares capazes de lhes tirar dos olhos a venda da ignorância.

Se pretendemos desenhar um futuro diferente do que hoje vivemos, vergonhoso pela falta de caráter da maioria dos homens públicos, iniciativas como a do prefeito José Carlos do Pátio devem ser imitadas e repetidas ao extremo Brasil afora. Tiro-lhe o chapéu!

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