domingo, 11 de agosto de 2013

O NOVO TEÓLOGO DA VEJA

Isaltino Gomes Coelho Filho

                Assino a “Veja” há anos. Gosto de lê-la e sua chegada em casa (em Macapá, três ou quatro dias após surgir nas bancas – se o entregador não erra o endereço) é bem saudada. Junto com outras publicações, ela defende um Estado soberano, democrático, de leis e ordem, que alguns que pensam em democracia como a imposição de suas idéias rejeitam (os que sabem o que é melhor para o povo – na melhor aristocracia platônica, mas de esquerda). São os que querem a democratização da imprensa (controlada pela máquina partidária) e que falam em monopólio da informação, esquecidos que monopólio alude a um, e que havendo muitos poderia, na pior das hipóteses, se chamar oligopólio. Nem a língua portuguesa o pessoal saber usar.  Bem, há quem goste de “muito pouco”, ao invés de “pouquíssimo (se algo é pouco não é muito).

                O problema são alguns colunistas que desejam teologar. Acho isso incrível. A turma não quer a Igreja Católica e as igrejas evangélicas opinando sobre a vida secular, mas quer o direito de ditar à Igreja e às igrejas uma agenda. Querem um estado leigo (o que quero também), mas querem uma igreja secularizada.
Primeiro foi Maílson da Nóbrega, que saindo de sua área de conhecimento, Economia, onde é muito bom, postou o artigo “Falácias e verdades”, na “Veja” de 26.9.11. Afirmou que a Bíblia dizia que o Sol girava ao redor da terra e assumiu a versão burlesca e falsa do julgamento de Galileu, que teria murmurado entre os dentes “Mas ela se move”. Mentira e burla que detratores da Igreja espalharam. O Dr. Maílson alcandorou à esta patacoada o senso de fato. Respondi-lhe no artigo “Falácias e verdades ou: Maílson da Nóbrega, pergunte antes de afirmar” (ver no site www.isaltino.com.br).

Impressiona como as pessoas falam bobagens sobre a Bíblia, sobre o cristianismo e sobre a Igreja e as igrejas sem conhecer nada. Meu desencanto total com a maçonaria se deu com a leviandade habitual de um “maçonólogo” (cada uma que aparece!) que escreveu um artigo ridículo sobre o Livro de Enoc, como eles grafam, com um monte de tolices, ignorâncias e mentiras tão grotescas que só fanatizados aceitam. Ignorante de que há vários livros atribuídos a Enoque, o autor fala de um só, que a Igreja tirou do cânon porque ia contra sua posição teológica. Poucas vezes, em tão poucas linhas, vi tanta bobagem junta. Enviei uma carta à redação da revista e entreguei cópias a vários maçons de destaques. Como uma instituição que diz prezar a verdade publica tanta bobagem, com ar de pesquisa? O maçonólogo, que não é “verdadólogo”, continua ditando escrevinhação! Isso me aborrece! O mundo é medíocre, inculto, desconhece fatos e insiste em afirmar abobrinhas em alto e bom som!

Na “Veja” de 7.8.13, J. R. Guzzo escreveu “Pensamento simples”. Assume o papel de “teólogo” que dita à Igreja uma agenda que ele acha correta. Uma questão deve ser estabelecida desde o início: a Igreja é a única instituição sobre a face da terra que reivindica autoridade divina. Se o pessoal concorda ou não, se gosta ou não, não vem ao caso. Mas se a Igreja e as igrejas perderem essa noção de substância, nada podem fazer. Nivelam-se a qualquer outra instituição. Sequer merecem o espaço que lhe dão. Não compete aos de fora ditarem a agenda da Igreja e das igrejas. Parece-me com a postura do “cristianismo alemão” e das igrejas controladas em países comunistas: “Vocês pregam o que nós dizemos”. Não querem os palpites da Igreja? Recusem-nos. Mas não deem seus palpites à Igreja.

Guzzo afirma que a Igreja deve cumprir o Sermão da Montanha, que ela nunca cumpriu, e que é “o texto mais importante do Evangelho”. Ele deve possuir um “importantômetro”, que mede o grau de importância das passagens bíblicas. E não deve ter lido todo o Novo Testamento para uma visão global de seu ensino, e assim não entendeu o Sermão do Monte quando o leu. Sua função, no evangelho de Mateus, é mostrar aos cristãos de pano de fundo judaico, que a antiga ordem já passou. “Moisés disse” é trocado por “Eu, porém, vos digo”. “Ouvistes” é substituído por “Mas eu vos digo”. Jesus estabelece que é o seu ensino e não a bagagem passada que deve ser carregada. Tanto que o ponto de julgamento (Mt 7.24-27), não é mais a Torah,  a lei dos judeus, mas “estas minhas palavras”. Findo o sermão, a multidão se admira da qualidade do seu ensino, em oposição aos dos fariseus, cerne teológico do judaísmo. Estes transformaram a religião em matéria de ritos, gestos, roupas pomposas, celebrações teatrais. Jesus a traz para o interior. “Tu, porém, entra em teu quarto”.  Até o “Pai nosso” deveria ser recitado na vida privada, e não na praça. Jesus internalizou a religião, tirando-a da gestualidade teatral que inclusive sucede nas viagens papais e em algumas seitas neopentecostais, em que a entrada do pastor é saudada com o toque do shophar, cena para lá de grotesca!

Lendo todo Mateus, Guzzo terá uma noção melhor do papel do sermão do monte, por que está ali, enquanto que, em Lucas, se localiza em outro momento histórico. Os dois evangelistas usaram-no em seus contextos literários, inserindo-os como parte (e não a totalidade) da mensagem cristã, mostrando que sua ética permeia o evangelho, mas não é a essência do evangelho.

Ao dizer que ela nunca cumpriu o Sermão da Montanha, ele ignora fatos. A Igreja teve falhas enormes, mas humanizou o mundo. Quantos hospitais, trabalhos com hansenianos, ajuda a mendigos, e apoio a necessitados a Igreja e as igrejas têm cumprido! Guzzo ignora a luta social de Wilberforce. Ignora Madre Teresa da Calcutá. Ignora Martin Luther King Kr, com sua resistência pacífica, tirada do Sermão. Quando a polícia veio agredir os negros, King mandou que se sentassem e apanhassem. Ali eles venceram! Guzzo ignora Visão Mundial, Compassion, o trabalho de Charles Colson pela humanização dos presídios. Ignora Schweitzer, ambulatórios e escolas para carentes feitos pela Igreja e pelas igrejas. Até mesmo a Ordem Franciscana. Ignora que o trabalho dos batistas tirou mais gente do crack que a política de tolerância governamental. Que nossos orfanatos mudaram o destino de mais crianças que a Fundação Casa. Vamos fazer um levantamento?

Lendo o Novo Testamento, Guzzo verá que o mais importante da Bíblia não é sua ética, mas a obra de Jesus Cristo efetuada na cruz. Pode não gostar disso, mas não faz diferença porque é isso. Não gosto de Marx, mas não posso dizer que Marx ensinou o que eu acho que ensinou, e que destoa do que ele escreveu. Os quatro evangelhos terminam com a morte e a ressurreição de Jesus. As cartas do Novo Testamento, bem como o livro de Atos tratam deste assunto, como sendo a culminância do judaísmo e o tema central do cristianismo. O judaísmo é o vinho velho. Em Jesus chega o vinho novo. Paulo disse que o evangelho é isto: “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras e ressuscitou dos mortos segundo as Escrituras”. O mais importante na Bíblia, Sr. Guzzo, é a pessoa de Jesus, e não uma parte de seus ensinos. A igreja de Cristo foi fundada com base nesta pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Não foi “Que achais do Sermão do Monte?”.

O autor encerra o artigo falando sobre o Sermão da Montanha: “’… é nele que Cristo ensina que o homem tem que ser honesto, tolerante e generoso, tem de dizer a verdade, saber perdoar e buscar a justiça, viver em paz e amar o próximo”. Jesus não precisaria vir o mundo para dizer isto. Foi dito no Antigo Testamento, e com muito mais ardor pelos profetas que por ele. Dizem as pessoas sem muita noção: “Ele foi morto porque pregou o amor e a paz”. Engano. Para que morrer por dizer isto se isto fora dito milhares de vezes, antes? Ele ensinou a si mesmo, não uma verdade atrás da qual se escondeu. Lendo os evangelhos, se verifica que o tema de Jesus foi Jesus. Praticar sua ética é consequência de crer em sua pessoa e comprometer-se com ela.

Quanto à tolerância com gays, a opção pelo celibato e a negação do concubinato (viver com outra pessoa sem ser casada com ela – políticos casados não têm mais amantes, mas namoradas), desculpe. Sr. Guzzo, não lhe compete dizer à Igreja o que fazer. A questão não é “não pode isso não pode aquilo”. A questão é de valores que a Igreja adotou, e em que sua cosmovisão fazem sentido (as questões de varejo) porque mexem na questão do atacado. Não é tão simples assim. Não entender isso é ser simplório. A Igreja teria que mudar em cada geração, perderia sua autenticidade, voaria ao sabor dos ventos, nada teria a dizer ao mundo. O simples é isto: ela é voz de Deus ou eco da voz dos homens?

Sobre seu argumento que parece ser o desencadeador da argumentação, quando o Papa diz que “Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. É uma pergunta retórica. Qualquer um pode buscar ao Senhor. É óbvio. Mas há comportamentos que a Bíblia diz que o Senhor não aceita. E a Igreja e as igrejas não têm autorização para uma nova Bíblia. Soa confuso? É simples: a Igreja não se vê como uma ONG criada para satisfazer as pessoas e massagear seu ego. Ela tem valores muito ricos, que vêm de milhares de anos, não pode se pautar pelas novidades que surgem. Ela já foi usada, indevidamente, para defender a escravidão e a violência. Como a frase de José de Anchieta: “espada e vara de ferro, que é a melhor pregação”. O contexto cultural de Anchieta adaptou a mensagem do evangelho. A Igreja de verdade, muitas vezes, terá que ir contra a cultura vigente. O verdadeiro evangelho refuta essas práticas. Como o infanticídio, a poligamia e o canibalismo eram práticas sociais aceitas e saudáveis, até que o evangelho as condenou. Sempre haverá choque entre os valores da Igreja e os do mundo. Por causa da maciça propaganda gay, o homossexualismo está em alta. Quem discorda (mesmo sem combater) é homófobo. Parece que a única virtude válida hoje é a tolerância, vista como uma caminhada na direção da ditadura do pensamento único, que abole a concepção de democracia. Só que a tolerância é sempre com os do mesmo lado. Podemos ser chamados de ”fundamentalistas” por gente que sequer sabe a origem do termo. Mas se chamarmos alguém do outro lado de “devasso”, estamos em maus lençóis. Se discordo de alguém, sou preconceituoso. Se alguém discorda de mim, usa de seu direito de expressão. É a pasteurização conceitual.

O que querem não é a humanização da Igreja, mas seu amordaçamento. Ela é vista como quem deve apoiar tudo o que os homens fazem, pois sua função é tornar pessoas felizes. Isso é ser simplório. Adaptar a mensagem do evangelho às épocas e aos quereres humanos simplesmente a aniquilaria. Se é para dizer que tudo é certo e que podem fazer o que quiserem que a Mamãe Igreja perdoa os filhinhos, ela não é necessária. Em tempo, sou protestante. A igreja não me é mãe, mas irmã.

A Igreja e as igrejas não devem buscar popularidade e aplauso do mundo. A multidão que gritava “Hosana ao Filho de Davi”, menos de uma semana depois gritava “Crucifica-o!”. Como ministro religioso não busco aplausos. Nem do rebanho que Deus me confiou. Busco ensinar o que a Bíblia diz. As pessoas devem obedecê-la e não tenho autoridade para ajustá-la ao querer humano. Quem não concordar não concorde. Da mesma forma com a Igreja. Quem não concorda com ela, paciência. O que não se pode é ter uma Igreja para cada tipo de pessoa. A concepção dominante, aqui, é o conceito de Igreja. Ela tem origem espiritual, com valores eternos, ou é uma instituição humana? Ela tem uma mensagem da parte de Deus aos homens ou é um organismo que toma decisões pela opinião pública e assim revê seus valores pelo viés da vontade humana? É a Bíblia ou o Ibope?

Críticos da Igreja e das igrejas: vocês já tentaram ouvir? Já lhes passou pela cabeça que podem estar errados e que devem acatar a primeira mensagem da igreja cristã? Em tempo: a primeira mensagem da igreja cristã não foi o amor, mas o chamado ao arrependimento, à mudança de atitudes e uma nova vida com Deus. Já pararam para pensar que devem mudar de vida? Há uma possibilidade mínima de que estejam errados, em seu culto a si e aos seus desejos?

Releia o Sermão da Montanha, Dr. Guzzo. Leia as cartas do Novo Testamento. Veja o todo para entender a árvores. Absolutizar o ensino do Sermão da Montanha é ver uma folha e pensar que viu a floresta.
Meus respeitos. Já li muito do senhor, e admiro sua competência. É a primeira coluna que leio na Veja.  Continuarei lendo e respeitando como intelectual que me instrui. Continuo lendo Maílson da Nóbrega. Que é competente. Só não leio mais o Xico Trolha por causa do seu Enoc. Deste pulei fora. Leviandade me agasta.

Do meu leito, na Unimed de Macapá,

Isaltino Gomes Coelho Filho

(Recebido por e-mail)

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