Por FRANCISCO ESPIRIDIÃO
Fico triste quando vejo debates na TV em que alguns afrodescendentes (esse é o termo politicamente correto para negros, hoje) reivindicam migalhas do Governo como resgate daquilo que a vida deixou de lhes dar em razão da cor da pele.
Sou filho de família muito pobre. Lembro que, muitas vezes, por não termos o dinheiro para comprar o pão para o café da manhã do dia seguinte, na tarde anterior meu pai levava os filhos mais velhos – eu no meio – para juntarem tucumã, numa mata próxima à nossa casa, no bairro Nossa Senhora das Graças, em Porto Velho.
Pela manhã, antes das seis horas, estávamos todos sentados à mesa, comendo tucumã com farinha e café puro, sem leite. Mas uma coisa ele fazia questão de nos ensinar: não se deve pedir nada a ninguém. “Estude para ser gente”, dizia.
– Se você não tem o que precisa, procure uma maneira honesta de conseguir, porém, pedir jamais!
Já escrevi algumas vezes sobre a questão das cotas para negros nas universidades. Heresia iniciada por Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, e abraçada pelo atual Governo. Heresia, sim, porque não pode haver nada mais humilhante para um ser humano (negro, branco ou amarelo) que a discriminação exacerbada, ainda que com motivos aparentemente altruístas.
Ninguém me tira da cabeça que aceitar passivamente tornar-se universitário em razão de cotas, seja algo desonroso. Para mim, aceitar a cota é tornar-se o pobrezinho da turma, indivíduo digno de pena, que sobrevive em função da misericórdia de outros seres que se julgam superiores.
A instituição de cotas para determinada categoria de pessoas arranha o texto constitucional. A Carta Magna de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, Caput, que todos são iguais perante a lei, não se admitindo distinção de qualquer natureza. Buscar tratamento diferenciado é querer aplicar a Lei de Gerson. Atitude condenável sob qualquer aspecto.
No Brasil, o negro está crescendo, sim, como ser humano. Independentemente de cotas. Esse crescimento, segundo a revista VEJA desta semana, teve seu “start” quatorze anos atrás, em 1995, com a universalização da educação fundamental e a melhoria da qualidade do ensino médio oficial.
Cita a revista que até 1995, sete negros em cada 100 eram analfabetos. Hoje, esse número caiu para 1,8, uma melhoria irrefutável da ordem de 74%. É certo que a educação ainda está longe do que se pode considerar ideal. Precisa melhorar muito.
Mas é inegável também que experimentamos sensíveis avanços.
Sou negro e não precisei de cota nenhuma para entrar na faculdade, em 1992. Minhas filhas, a mesma coisa. Assim, acredito que a revolução iniciada lá em 1995 não pode arrefecer. A queda de braço que vemos hoje em Roraima no setor da educação é um retrocesso. Fornece elementos tortos aos que almejam por migalhas.
Nós negros, portanto, não devemos nos conformar com a condição de mendigos, que aceitam esmolas em forma de cotas. A gente não quer cota, a gente quer ensino de qualidade.
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