Por Francisco Espiridião
O julgamento das ações sobre tamanho e formato da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, na prática, está sacramentado. A área de 1,7 milhão de hectares será mesmo contínua e não se fala mais nisso. Insistir no contrário é chutar cachorro morto.
Há um consenso de que em território tão imenso habitarão apenas 19 mil índios. Se vivessem do extrativismo e da pesca, tamanha extensão de terras seria plenamente justificável. Afinal, o índio desaculturado precisa perambular. É nômade por natureza. Será, porém, esse o caso dos nossos macuxi, taurepang, mayongong etc.?
Tal discrepância é impossível passar despercebida. O que perpassa às mentes é a inevitável comparação: os nada menos de 11 milhões de habitantes da cidade de São Paulo se comprimem em igual extensão territorial. E, como diz a musiquinha, é cada qual no seu quadrado. Fazer o quê...
“Invasores” devidamente defenestrados (os brancos serão banidos ex-officio do interior da reserva), pode-se imaginar o tamanho do vazio que se transformará a região Nordeste do Estado. Vazio, não! Vazios. Vazios que se revelam não de agora. Remontam o início das “desintrusões”. Desde lá o que se vê é vazio de toda sorte. Vazio de idéias, vazio de desenvolvimento, vazio de sentido, vazio...
Em fevereiro de 2003, escrevi um artigo no extinto jornal BrasilNorte, cujo título era “Viveiro de Fantasmas”. Faz parte do meu livro “Até Quando – Estripulias de um governo equivocado” (2004, p.57-58 – com exemplares ainda disponíveis nas livrarias Nobel, Vozes e Megafarma).
Nele, há em evidência, entre outros exemplos de vazios inconcebíveis nessa grande novela chamada demarcação de terras indígenas em Roraima, o caso da antes opulenta fazenda São Jorge, ao largo da rodovia estadual que leva à sede do Município de Uiramutã.
Em tempos áureos, São Jorge chegou a abrigar rebanho de mais de 10 mil cabeças de gado. Só bovino, para não falar de outras espécies. Veio a desapropriação. Os donos receberam simbólica indenização da Funai e retiraram-se. O local passou às mãos dos indígenas. Resultado: depredação total do patrimônio.
Em uma de minhas incursões terrestres ao coração do Município de Uiramutã, em 2001, por força da função de repórter do extinto jornal A Tribuna do Estado de Roraima, tive a oportunidade de constatar quem eram os novos ocupantes da casa-grande (principal da fazenda): cabras, ovelhas e carneiros – sem pastor.
A comunidade do Flexal, com apoio da Prefeitura de Uiramutã, incentivada pela prefeita Florany Mota, chegou a ser importante produtora de feijão jaulão, além de milho e arroz. Outras comunidades, com igual apoio, já conseguem comercializar seus produtos agrícolas nas feiras livres de Boa Vista.
A pergunta que fica, a partir da secessão, é como esses projetos terão continuidade sem o amparo técnico que recebiam até agora. A União terá capacidade de prover tais reclamos? A se considerar o que ora ocorre com as etnias indígenas reclusas do Estado de Mato Grosso, as respostas são tenebrosas.
Voltando à disputa pela terra indígena cá perto de nós, parece tudo resumir-se a uma guerra inglória. Sem sentido. Saímos todos – brancos e índios – esplendidamente derrotados.
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