
(*) Francisco Espiridião
Não raro se vê na grande imprensa despautérios sobre o estado de Roraima e sua gente. De maneira estereotipada, o macuxi é visto como um bicho do mato, que, na melhor das intenções, precisa ser protegido, colocado numa redoma de vidro, para que olhares tortos o consuma como a um objeto qualquer a ser admirado.
Macuxi aqui não é apenas o "cara-pálida", originário dessa forte e combativa etnia, mas sim todo e qualquer indivíduo que nasce em terras roraimenses ou dela se diz filho, ainda que por adoção, feito eu. Triste admitir que para funcionar alguma coisa por estas paragens é necessário o dedo exógeno. Exceção para ínfimas esferas do cotidiano.
Interessante é que não existe nenhum interesse em se consertar o quê de disparate que de nós se diz. Fala-se o que se quer e fica por isso mesmo. Aliás, é bem capaz de eu ser acionado por falar essas coisas. Mas é necessário. Qualquer um vem aqui, pisa nossas flores dias seguidos, e sai dizendo impropérios os mais agressivos. E ninguém se sente ofendido.
O caso da revista Época, edição de 29 de outubro de 2001, é emblemático. Em reportagem de 12 páginas (76-87), a jornalista Eliane Brum diz cobras e lagartos de nossa gente na reportagem intitulada “Última fronteira – A guerra do começo do mundo”. Nenhuma linha de desagravo.
“A Pipoquinha (difusora do forró roraimense) tornou-se a banda da hora nos eventos oficiais. Sua música transforma a Praça das Águas, em Boa Vista, no palco de uma grande fornicação dançante...”, disse “madame” Brum (p. 84). Peraí: fornicação vem de o verbo fornicar (fornicare, do bom e velho latim), que os dicionários insistem em traduzir como a prática do coito, copular.
Posto assim, somos um povo dado à fornicação em praça pública. E ninguém se sente ofendido.
Trocar Rondônia por Roraima é café pequeno. No dia 4 deste mês, o rondoniense líder do PMDB no Senado, Waldir Raupp, em um lampejo de subserviência ao governo, jogou para escanteio dois dos mais aguerridos senadores do Partido. Como a emenda saiu pior que o soneto, o governo pediu e foi atendido. Raupp voltou atrás na decisão. Veículos da grande imprensa, ao citar com escárnio o episódio, estampavam: “O senador Waldir Raupp (PMDB/RR)...”
Como se não bastasse, agora temos outro problema: o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, o gaúcho José Mariano Beltrame, cita nas páginas amarelas de Veja desta semana: “Numa missão da Polícia Federal em Roraima, vi uma criança que mal sabia caminhar brincando com suas bonecas e com uma pistola calibre 45 de verdade.” (Edição de 31/10/2007, p.14) Pronto, viramos favela do Alemão. E nem sabíamos.
Vai ver essa criança não nasceu na Tijuca, Méier e muito menos em Copacabana. Esses locais, segundo o governador carioca Sérgio Cabral, têm padrão sueco. Está mais para ter nascido na Rocinha (ou mesmo em Roraima), que é o “padrão Zâmbia, Gabão”. Para Cabral, quem nasce sob o estigma do padrão africano, traz sobre si a pecha de ter sido forjado numa “fábrica de produzir marginal”. Pensamento mais higienista, impossível.
Falando sério, é possível que o secretário de Segurança Pública carioca tenha se enganado, confundindo Roraima com outro estado da federação. Temos nossas “galeras”, é claro, mas não chegam a tanto. Se for engano, merece reparo. Afinal, nem toda a população roraimense é “marginal”, assim como nem todo deputado ou senador é ladrão. Senão, estaremos dando razão a Antônio Vieira (o padre, 1604-1657): “...pelo costume, quase se não sente”.
(*) Jornalista; e-mail: fe.chagas@uol.com.br/
Não raro se vê na grande imprensa despautérios sobre o estado de Roraima e sua gente. De maneira estereotipada, o macuxi é visto como um bicho do mato, que, na melhor das intenções, precisa ser protegido, colocado numa redoma de vidro, para que olhares tortos o consuma como a um objeto qualquer a ser admirado.
Macuxi aqui não é apenas o "cara-pálida", originário dessa forte e combativa etnia, mas sim todo e qualquer indivíduo que nasce em terras roraimenses ou dela se diz filho, ainda que por adoção, feito eu. Triste admitir que para funcionar alguma coisa por estas paragens é necessário o dedo exógeno. Exceção para ínfimas esferas do cotidiano.
Interessante é que não existe nenhum interesse em se consertar o quê de disparate que de nós se diz. Fala-se o que se quer e fica por isso mesmo. Aliás, é bem capaz de eu ser acionado por falar essas coisas. Mas é necessário. Qualquer um vem aqui, pisa nossas flores dias seguidos, e sai dizendo impropérios os mais agressivos. E ninguém se sente ofendido.
O caso da revista Época, edição de 29 de outubro de 2001, é emblemático. Em reportagem de 12 páginas (76-87), a jornalista Eliane Brum diz cobras e lagartos de nossa gente na reportagem intitulada “Última fronteira – A guerra do começo do mundo”. Nenhuma linha de desagravo.
“A Pipoquinha (difusora do forró roraimense) tornou-se a banda da hora nos eventos oficiais. Sua música transforma a Praça das Águas, em Boa Vista, no palco de uma grande fornicação dançante...”, disse “madame” Brum (p. 84). Peraí: fornicação vem de o verbo fornicar (fornicare, do bom e velho latim), que os dicionários insistem em traduzir como a prática do coito, copular.
Posto assim, somos um povo dado à fornicação em praça pública. E ninguém se sente ofendido.
Trocar Rondônia por Roraima é café pequeno. No dia 4 deste mês, o rondoniense líder do PMDB no Senado, Waldir Raupp, em um lampejo de subserviência ao governo, jogou para escanteio dois dos mais aguerridos senadores do Partido. Como a emenda saiu pior que o soneto, o governo pediu e foi atendido. Raupp voltou atrás na decisão. Veículos da grande imprensa, ao citar com escárnio o episódio, estampavam: “O senador Waldir Raupp (PMDB/RR)...”
Como se não bastasse, agora temos outro problema: o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, o gaúcho José Mariano Beltrame, cita nas páginas amarelas de Veja desta semana: “Numa missão da Polícia Federal em Roraima, vi uma criança que mal sabia caminhar brincando com suas bonecas e com uma pistola calibre 45 de verdade.” (Edição de 31/10/2007, p.14) Pronto, viramos favela do Alemão. E nem sabíamos.
Vai ver essa criança não nasceu na Tijuca, Méier e muito menos em Copacabana. Esses locais, segundo o governador carioca Sérgio Cabral, têm padrão sueco. Está mais para ter nascido na Rocinha (ou mesmo em Roraima), que é o “padrão Zâmbia, Gabão”. Para Cabral, quem nasce sob o estigma do padrão africano, traz sobre si a pecha de ter sido forjado numa “fábrica de produzir marginal”. Pensamento mais higienista, impossível.
Falando sério, é possível que o secretário de Segurança Pública carioca tenha se enganado, confundindo Roraima com outro estado da federação. Temos nossas “galeras”, é claro, mas não chegam a tanto. Se for engano, merece reparo. Afinal, nem toda a população roraimense é “marginal”, assim como nem todo deputado ou senador é ladrão. Senão, estaremos dando razão a Antônio Vieira (o padre, 1604-1657): “...pelo costume, quase se não sente”.
(*) Jornalista; e-mail: fe.chagas@uol.com.br/