Por: Cel. Márcio Santiago (*)
A transformação do Território de Roraima em Estado federativo completa no dia 05 p.v. 19 anos, mas em que pese todo esforço, o governo estadual ainda se depara com grandes desafios para atender as necessidades públicas de saúde, educação, trabalho, lazer, e segurança. Nesta última, por exemplo, é notório que a implantação de uma ideologia policial voltada para proteger e servir o cidadão ainda está por se completar.
Para entender algumas das dificuldades para operar este processo é preciso verificar como o passado de Território Federal se projeta no atual Estado de Roraima.
A origem da Polícia Militar do Estado de Roraima, presente em todos os municípios, confunde-se com a história da Polícia Militar do Ex-Território Federal de Roraima, criada em 26 de novembro de 1975, exatamente no contexto da ideologia da defesa e da segurança nacional. Antes, existia a antiga Guarda Territorial, nascida com a criação do então Território Federal do Rio Branco (depois Território de Roraima), no início da década de 40, ainda sob a égide da Constituição de 1937 (a "Polaca"), e em plena vigência do Estado Novo.
Não se desconhece que a partir da Revolução de 1930, o Brasil experimentou mudanças importantes na área da proteção social, através de uma vasta legislação trabalhista e previdenciária completada em 1943 pela CLT. Esta "cidadania regulada", dependente do Estado e da lei, estava ligada a um sistema de estratificação ocupacional que reconhecia como "cidadãos" apenas os que pertenciam a certas categorias ocupacionais reconhecidas formalmente pelo Estado, os quais passavam a ter e gozar, mais cedo e melhor os direitos sociais, em detrimento dos direitos políticos e civis. (SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça. A política na ordem social brasileira. 3. ed., Rio de Janeiro: Campus, 1994, p. 67-72).
As conquistas sociais foram mantidas na Constituição de 1946 que restabeleceu os direitos civis e políticos até o advento do golpe militar de 1964. A partir de então os governos que se instalaram no poder e se mantiveram às custas do sacrifício dos direitos civis e políticos, dedicaram-se ao crescimento econômico e à extensão dos direitos sociais aos trabalhadores rurais.
Findo o período militar, os direitos políticos não só foram restabelecidos, mas adquiriram amplitude sem precedentes na história nacional. No início dos anos 80, voltaram do exílio políticos importantes que venceram as eleições para governadores, e deram novos rumos às políticas públicas de segurança pública.
Era o início da redemocratização do país. Nesse contexto, oficiais do Exército eram substituídos no comando das corporações estaduais por oficiais das próprias polícias militares que trataram de procurar formas alternativas para um trabalho participativo com as comunidades. Em Roraima, o então Tenente-Coronel PM Derly Luis Vieira Borges, foi o primeiro oficial da PMRR a comandá-la .
No bojo da Carta de 05 de outubro de 1988, a Constituição que Ulisses Guimarães chamou de Cidadã, em plena "Nova República", o Território de Roraima transformou-se em Estado membro da federação. Foi ela também que incumbiu as polícias militares de realizar a "polícia ostensiva e a preservação da ordem pública" (art. 144, § 5º). Logo ficaria patente a necessidade de mudanças mais profundas na forma de atuação das polícias militares, pois a intenção dos constituintes, por si, não teve o condão de solucionar sérios problemas referentes à proteção social e principalmente no que tange aos direitos e garantias individuais em face da violência estatal.
Ora, sabe-se que a ação ou omissão criminosa é inerente ao ser humano em qualquer sociedade ou nação. É ressabido também que nenhum governo pode abdicar do poder-dever de intervenção, nos limites legais, e do esforço para que a Polícia, mesmo atuando no limite entre o legal e o ilegal e entre quem tem seus direitos ofendidos e quem viola esses direitos, aja respeitando os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Este foi o mote pelo qual, concomitantemente às providências para dar condições materiais de trabalho aos policiais militares, buscou o Governo do Estado de Roraima influir com determinação no seu comportamento, esmerando-se na sua formação, educação e na implementação de mecanismos autocontroladores de conduta no relacionamento com a população. E foi também o motivo pelo qual, agora, passou a investir maciçamente objetivando a participação da comunidade no esforço da segurança pública.
Entre as ações governamentais que a Polícia Militar realiza para alcançar esses objetivos está a fixação de uma base filosófico-doutrinária para a ação policial que é o POLICIAMENTO COMUNITÁRIO e os DIREITOS HUMANOS, cujas metas são: sensibilizar sobre o papel que a corporação e as comunidades podem desempenhar juntas na prevenção ao crime e à violência, graças a um trabalho baseado na confiança e no respeito ao ser humano; reduzir a violência e a criminalidade em espaços geográficos específicos, a partir da conscientização a respeito do volume e das conseqüências das atividades criminais que ocorrem na área onde residem os cidadãos e da assunção de um mínimo de responsabilidade por parte destes; conscientizar as comunidades de que os Direitos Humanos são direitos inalienáveis inerentes à condição de ser humano, portanto destinado a TODOS.
São estratégias importantes da PMRR ofertar cursos de especialização em direitos humanos e em polícia comunitária extensivos às comunidades, bem como apoiar à criação de Conselhos Comunitários de Segurança Pública (Consegs) destinados a incentivar a participação popular na elaboração das políticas públicas de segurança pública.
Experiência exitosa em outros países e noutros estados federados, esses grupos de um mesmo bairro ou de bairros próximos (ou mesmo de um município) discutem e analisam em fóruns permanentes, seus problemas de segurança, propõem soluções e acompanham sua aplicação.
Os representantes voluntários da comunidade e as autoridades policiais locais participam dos Consegs em reuniões ordinárias, registrando em atas todos os problemas discutidos e as respectivas proposições, sendo tudo encaminhado aos órgãos oficiais.
Esta é apenas parte do grande esforço que atualmente desenvolve o Governo do Estado para dar à população roraimense uma Polícia Militar atuante, prestativa e efetivamente protetora, uma verdadeira POLÍCIA COMUNITÁRIA. Não se trata de uma nova instituição, mas uma idéia-força, ou um protocolo de atuação baseado no sentimento de que o policial militar é efetivamente um defensor do cidadão.
Em que pese todas as dificuldades iniciais para quebrar certos paradigmas repressivistas, alguns enraizados desde a época de Território Federal, o princípio de defesa que hoje norteia a atividade da PMRR se aprofunda e aperfeiçoa no Estado de Roraima, cuja população passa paulatinamente a compreender e valorizar o ser humano simbolizado no PM masculino e feminino, integrante fundamental e insubstituível da importante instituição pública que está indelevelmente ligada à sua história e desenvolvimento.
(*) Márcio Santiago de Morais é coronel PM, Comandante-Geral da Polícia Militar de Roraima
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