terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Lixo da história

Francisco Espiridião

Estava quietinho no meu canto. Aliás, nada de quieto. Estava mesmo era muito esperto. Fazia parte do quadro de jornalistas da então Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) do Palácio Senador Hélio Campos. O ano era 2003. Abril, para ser mais exato.

Acompanhava o então governador Flamarion Portela em visita a criatórios de peixes em fazendas de Alto Alegre. Uma delas, da então vereadora Lourdinha Pinheiro. À tira-colo, Flamarion levava também o então tenente-coronel PM Júnior.

Em determinado momento, Júnior se chega a mim e pergunta baixinho:

– Espiridião, por que tu não voltas para a ativa? (voltar a vestir o azul-petróleo jamais havia passado pela minha cabeça).

– Fazer o que na ativa, coronel? – indaguei-lhe, sem qualquer interesse.

– Você pode fechar o tempo e voltar para a reserva com o salário integral (eu recebia proporcionalmente aos anos de serviço que passara na ativa).

Pensei que aquela conversa havia morrido ali. Mas, não. Ela ficou cozinhando-me os miolos. Até que um dia resolvi tirar a história a limpo. Descobri que era possível voltar à caserna. Voltei.

Coincidentemente, ao retornar, foi promulgada a Lei estadual 074, que contemplava os PMs, inclusive os da reserva remunerada convocados ao serviço ativo (meu caso), com uma promoção ao completar 29 anos e seis meses em atividade.

Depois de muita conversa, choro, ranger de dentes e dois pareceres positivos da Procuradoria Geral do Estado, fui promovido. Nunca vi uma promoção gerar tanta polêmica como aquela. Um dos oficiais superiores chegou a dizer-me que ela era proibida pela “Bíblia” da Polícia Militar.

– Que “Bíblia”, coronel? – perguntei-lhe, um tanto irritado.

– O R-200. Ou você não sabe que o que rege as Polícias Militares do Brasil é o R-200?

O R-200 é um regulamento aprovado pelo Decreto 88.777, de 30 de setembro de 1983, totalmente em desacordo com a Constituição Federal de 1988. Como exemplo, determina que o Governador só pode efetivar um oficial da PM no cargo de comandante-geral depois de aprovado pelo Ministro do Exército (Art. 8.º).

Aí, vê-se logo duas discrepâncias. 1) não existe mais Ministério do Exército; 2) uma flagrante ingerência entre poderes – a quebra da autonomia das unidades federativas. Aliás, o R-200 é eivado de monstrengos de autoritarismo. Verdadeiras blasfêmias contra o Estado de Direito. Mas, deixemos isso de lado.

A decisão histórica de suspender a vigência de vários artigos da Lei de Imprensa, a Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, levada a efeito pelo ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, é corolário de que este trem chamado Brasil ainda está longe de entrar nos trilhos da modernidade.

Depois de exatos 40 anos e 12 dias, a Justiça, a velha Justiça, aquela que tarda, mas não falha (há quem diga que ela não falha porque tarda), reconhece, enfim, que uma parte substancial da velha Lei não é compatível com a nova ordem. Espero o dia em que todos os resquícios do autoritarismo serão vistos pelo retrovisor do tempo. Lixo da história.

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