Por Francisco Espiridião
"O dedo acusa a Via Lactea. 'Lá!', berra o homem. À beira do Rio Branco, em Boa Vista, ele levanta-se intempestivo. Os filhos que brincavam ao redor da mesa se imobilizam. Os clientes do Meu Caso, bar de petiscos, suspendem as conversações. Esquadrinham o céu em alerta. 'Os americanos espionando a Amazônia', esclarece. Satisfeito com a perspicácia, volta a sentar-se. Missão cumprida. Perto dele ninguém será enganado por satélites vestidos de cordeiro".
Êta, textinho cínico! Assim mesmo, curto e grosso. Parece até o samba do crioulo doido. Mas não é. Ele está, ipsis litteris, na revista Época, de 29 de outubro de 2001, página 78. Uma tentativa esdrúxula de ridicularizar aquilo que todos nós, amazônidas, sabemos e conhecemos como verdade cristalina, e que o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB) tem feito cavalo de batalha de seu mandato: a sede nefasta pela internacionalização da Amazônia.
Se, antes, as investidas se davam de forma velada, agora já não pairam quaisquer dúvidas. Agora, é explícita a voracidade da comunidade internacional em abocanhar esse pedaço de Brasil, exatamente uma faixa de terras rica em minérios estratégicos e biomas cobiçadíssimos. Essa extensa área que, com tanto orgulho, classificamos de "Patrimônio (único e exclusivo) dos Brasileiros".
A revista - que traz em destaque fragmento de texto de matéria da lavra deste articulista - dizia, havia quase sete anos, que, "...os brasileiros não adivinham. Mas Roraima está em guerra".
Se os brasileiros não adivinhavam na época (sem qualquer trocadilho com o título da revista) que Roraima vivia em guerra, isso hoje está claro em todos os quadrantes do país. A guerra de sete anos atrás continua. E mais acirrada ainda.
Uma guerra onde as armas letais não são aquelas que a Polícia Federal (Operação Upatakon 3) buscou e não encontrou no interior do território conflagrado (reserva Raposa Serra do Sol), segundo o deputado Márcio Junqueira (DEM). Mas sim, a intolerância do desgoverno que assola a dignidade do nosso povo.
Quando o Governo impõe a retirada de brasileiros (não falo aqui só de meia dúzia de arrozeiros) do interior da reserva, pratica atos de segregação racial, preconizados na Constituição Federal de 1988 (Art. 5 Caput).
Além de preconizar que "todos" (índios, brancos, pretos, amarelos, azuis etc) são iguais perante a lei, o dispositivo constitucional cita que é garantido aos brasileiros o direito à ... propriedade... É mais que sabido da existência de não-índios que ostentam títulos centenários de propriedade no interior da reserva. Tudo expedido de boa-fé.
De má-fé foi a forma como o Governo agiu para homologar a reserva, forjando laudo antropológico totalmente fictício. De má-fé foi a visita que o ministro da Justiça, Tarso Genro (sabe-se lá de quem) fez à área de conflito para ouvir apenas um lado da questão, exatamente aquele favorável à sanha entreguista de parte do território nacional. De má-fé ... bom, deixa pra lá.
Quanto à preocupação "à toa" com uma possível internacionalização da Amazônia, que para o Governo de plantão é mero conto da carochinha, aí está, nua e crua, a matéria veiculada pelo jornal americano The New York Times deste domingo (18), intitulada "De quem é a Amazônia, afinal?".
Cita aquele que é um dos mais acreditados jornais do mundo: "Um coro de líderes internacionais está declarando mais abertamente a Amazônia como parte de um patrimônio muito maior do que apenas das nações que dividem o seu território".
O NYT lembra, com todas as letras, que o ex-vice-presidente americano Al Gore disse, em 1989, que "ao contrário do que os brasileiros acreditam, a Amazônia não é propriedade deles (brasileiros), ela pertence a todos nós (o mundo)".
Entenderam, ou eu preciso desenhar?
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