Francisco Espiridião
Saturou. Não dá mais para ver televisão. Principalmente os telejornais. Tanta coisa para se comentar - aumento de juros, gafes da Mãe do PAC, Berlusconi primeiro-ministro, júri do médico esquartejador de mulher correndo solto. Mas, não. Ninguém quer saber de nada. A idéia fixa: descobrir quem matou a menina Isabella. Parece fim de novela da Globo.
Tudo bem. É compreensível que a curiosidade coletiva aspire uma resposta definitiva sobre o caso. Mas, também, con-venhamos, nem só disso vive a sociedade. Enquanto a comoção social se volta para o grotesco - com requintes de crueldade, uma criança indefesa é impedida do amanhã -, a caravana pas-sa.
E passa com desenvoltura digna de escola de samba em noite de Sapucaí. Veja o caso do Congresso. Em meio a tanta controvérsia, nossos eméritos e nobres deputados aprovam para si um aumentozinho básico de R$ 10 mil. A verba de gabinete deu um salto de 50,8 mil para R$ 60 mil.
Pensando bem, já que a TV em nível nacional está muito chata de se ver, melhor mudarmos o rumo dessa prosa. Afinal, há coisas muito mais importantes para ocuparmos esse valiosíssimo espaço e o meu e o seu precioso tempo, caro leitor.
Por exemplo: com a canetada do Supremo, suspendendo a operação Upatakon III, que buscava retirar - ainda que à força - todos os não-índios do aconchego do lar no interior da Reserva Raposa Serra do Sol (diz a Constituição que o lar é inviolá-vel), o que ainda estariam fazendo os policiais federais - aos montes - em Roraima?
Na parede de uma das celas da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo lê-se em letras garrafais: "Cabeça vazia é oficina do diabo". Os homens de preto sem ter o que fazer zanzam perdidos na noite de Boa Vista. De cara, lembram "cabeças vazias", onde o diabo age com facilidade. E pelo visto agiu nesta madrugada. Pelo menos numa delas.
E o que dizer, então, da menina boa-vistense que matou a mãe e foi ao cinema, digo, ao forró? Viram que o feito, apesar de tão mórbido quanto o que envolve a pauta televisiva há quase um mês, o da menina Isabella, não teve lá suas repercussões?
- Menino, tu viu? Uma menina "noiada" matou a mãe e foi pro forró...
- Que coisa, né - responde o interlocutor, engatando em seguida um outro papo, totalmente diverso da conversa original. É de se constatar: a dor do pobre é diferente da dor do rico.
Pelo visto, o ser humano está mesmo chegando no ponto de conflagração. Não há mais respeito recíproco. Atos de decência nos dias atuais são facilmente tidos com lampejos de idiotia, coisa de "babaca".
A sociedade brasileira precisa parar para repensar o que realmente deseja como povo. Ano de eleição é momento propí-cio para essa reflexão. Precisamos acreditar - até às últimas conseqüências - que o povo sabe votar.
Precisamos acreditar que o eleitor não vai trocar o voto por uma carrada de barro, duas telhas ou coisa que o valha. Tipo uma dúzia de tábuas - que servirá mal-e-porcamente para lhe confeccionar o esquife que lhe levará à última morada.
(Crônica escrita no dia 18 de abril e publicada na mesma data no Fontebrasil)
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