A indústria da invasão é geralmente encabeçada por
indivíduos sem escrúpulos, que exploram a boa-fé das pessoas
Por Francisco Espiridião
É sempre assim. Do nada, invariavelmente, surge algum
esperto aproveitando-se da boa-fé de alguém que, por falta de conhecimento, serve
de massa de manobra. O mais grave é que essas investidas ocorrem com maior
intensidade nos períodos que antecedem o momento eleitoral. É o que está
acontecendo agora, quando pipocam os mais variados focos de invasão de terras
pelos diversos bairros da cidade e também fora do perímetro urbano de Boa Vista.
É a conhecida indústria da invasão, que, queiram ou não, num
passado não muito remoto, deu origem a vários bairros da capital roraimense. Semeados
de forma tímida, esses agrupamentos brotam até mesmo em pontos considerados os
mais inóspitos possíveis, como um local que, por muito tempo, abrigou uma
lixeira pública. O bairro São Bento, também conhecido como “Brigadeiro”,
localizado na Zona Oeste, é um exemplo clássico. Foi criado no entorno da Lagoa
de Estabilização, local que recebe todo o esgoto da cidade para processamento.
Falar das dificuldades que enfrentam as pessoas que se
permitiram montar suas casas no local é perda de tempo. Mesmo assim, o poder
público municipal se vê na obrigação de oferecer o mínimo em termos de
infraestrutura, para dar àquelas pessoas o mínimo de dignidade possível. Ruas
asfaltadas, iluminação pública de qualidade, sarjetas e obras de drenagem são
alguns dos benefícios oferecidos pela Prefeitura de Boa Vista aos moradores.
A indústria da invasão é geralmente encabeçada por
indivíduos sem escrúpulos, que usam pessoas de boa-fé, com promessas
mirabolantes de que farão com que elas tenham de fato o local próprio onde
recostar a cabeça. De roldão, outros não menos desavisados engrossam esse
pelotão de delinquentes, sabendo milimetricamente o grau da aposta. Aquela velha
história: "Vai que cola..."
Alguns invasores ouvidos pela reportagem do Roraima em Tempo
afirmam que agenciadores vindos de Manaus e outros velhacos conhecidos nos
arraiais roraimenses cobram 100 reais - travestidos de mensalidade e joia de
uma associação com nome que é um misto de pompa e apelação desmedida - por um
sonho que, muitas vezes, se transforma em pesadelo. E dos grandes. A esperança
de que a terra invadida será regularizada nem sempre traz consigo a garantia
que lhes é repassada.
Alguns destes agenciadores são advogados que, usando da
prerrogativa que só a gravata e o paletó lhes concedem, convencem facilmente os
menos avisados. Curioso é que lá não estão só os verdadeiros
"sem-teto", mas também aproveitadores outros. Fotos dos locais
invadidos dão o tom da valsa: são carros e mais carros estacionados ao lado de
quiosques esqueléticos, armados com o único objetivo de demarcar território.
Num desses agrupamentos - a invasão localizada às margens do
Contorno Oeste - a reportagem flagrou um esfuziante "Fusion" preto,
um dos modelos mais caros e cobiçados da marca Ford. O seu dono fincava,
altaneiro, os paus de uma barraca que serviria como marcos da sua pretensa propriedade
em terra alheia. Metáfora à parte, no local funcionava, na tarde de domingo (28
de fevereiro), um verdadeiro salão do automóvel. Eram carros de todas as
marcas, valores e para todos os gostos.
Essa gente que, visivelmente, não tem necessidade de invadir
terra de ninguém, mas que insiste em obter sua fatia nesse latifúndio, faz
valer a Lei de Gerson. Especula com a terra alheia, com o objetivo único de
fazer comércio imobiliário. Há notícias de que, em alguns desses locais, como é
o caso da invasão nas cercanias do Loteamento Said Salomão, no Bom Intento,
terrenos chegam a ser vendidos por nada menos que 40 mil reais.
Um dos responsáveis pela invasão das proximidades do
Matadouro Frigorífico de Roraima (Mafir), na BR-174-Sul, Paulo Sérgio Batista
Pereira, na qualidade de vice-presidente da fantasmagórica Associação Novo
Paraíso, disse que tem como pressuposto o fato de que a área invadida é objeto
de litígio que envolve o Iteraima. A área integra a Gleba Cauamé, transferida da
União para o governo estadual. A terra teria sido titulada pelo governo do
estado no nome de um filho do empresário Chhai Kwo Cheeng.
"Temos a certeza de que esse senhor não precisa dessas
terras e estamos em processo de regularização junto às autoridades [Iteraima,
Incra e Ministério Público Federal] para que possamos ser assentados de forma
regular aqui. Nós sabemos que essa terra é rural e que precisamos de um local
para produzir e obter o nosso sustento."
O que os invasores não sabem ou fingem não saber é que, de
acordo com o artigo 20 da Lei 4.947, de 6 de abril de 1966 (Lei Agrária),
invadir terras da União, dos Estados e dos Municípios é crime e resulta em
detenção de 6 meses a 3 anos. No caso de invasão de terras de terceiros, a pena
vai de detenção de um a seis meses, além de multa, de acordo com o artigo 161
do Código Penal. E, para quem é o mentor das invasões, o artigo 286 do Código
Penal prevê também a detenção de três a seis meses, além de multa.
Em Boa Vista, hoje, há pelo menos seis áreas de invasão em
andamento desde o ano de 2014, com maior intensidade neste ano de eleição
municipal. Um dos invasores, que pediu anonimato, confessou à reportagem que,
além dos responsáveis pela Associação, todos receberam a garantia de
determinados políticos de que eles deveriam mesmo invadir porque depois as
áreas serão regularizadas. Em troca, eles se comprometeram a fechar com os
políticos que, não escondem, serão candidatos neste pleito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário