segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Lição aos moços



Em João Pessoa, no final dos anos 60, havia um baiano conhecido como "Mocidade".

O apelido derivou do seu gosto de participar ativamente no centro da cidade de manifestações políticas promovidas por estudantes.

Era um tipo maduro, inteligente, com razoável cultura e oratória incendiária. Não trabalhava. Vivia de quem lhe pagasse as contas.

Uma vez eleito governador da Paraíba, João Agripino, tio do atual senador José Agripino Maia (DEM-RN), tomou-se de amores por Mocidade.

Admirava seus ditos populares e o raciocínio rápido. Dava-lhe trocados e roupas. E mais tarde ofereceu-lhe abrigo. Mocidade passou a dormir no alojamento da Casa Militar no Palácio da Redenção, sede do governo do Estado.

Quando se sentia aborrecido ou exausto, Agripino relaxava conversando longamente com ele.

Certo dia, o secretário de Segurança Pública telefonou para Agripino a propósito de uma manifestação estudantil que ameaçava escapar ao seu controle.

"Os estudantes estão fazendo confusão no Ponto Cem Réis”, contou o secretário.

O Ponto Cem Réis era uma espécie de Cinelândia de João Pessoa. Equivalia também à Boca Maldita de Curitiba porque era freqüentado por deputados, secretários do governo e políticos de outros Estados em visita à Paraíba.

- Não prenda ninguém - ordenou Agripino, um dos líderes da ala liberal da então extinta União Democrática Nacional (UDN).

“Mas o senhor sabe quem lidera a manifestação, sabe? Quer saber?” – insistiu o secretário com raiva.

E foi logo dizendo antes mesmo de obter o consentimento do governador: “É o Mocidade. Está agitando e falando muito mal do governo.”.

Sem hesitar, Agripino ordenou: “Então prenda ele. Prenda e traga à minha presença”.

Esperto, Mocidade escapou de ser preso. E à noite, ao chegar mais tarde do que de costume para dormir com os seguranças do governador, foi convocado por ele para um encontro na ala residencial do palácio.

“Mocidade, quem paga sua comida?” - perguntou Agripino enquanto acendia um cigarro.

“Bem, é o senhor, não é?” – devolveu Mocidade, desconfiado e à espera do pior.

“Não. Quem paga é o governo da Paraíba”, observou Agripino sem alterar o tom da voz.

Mocidade concordou com um maneio da cabeça.

“Quem lhe dá um teto?” - prosseguiu Agripino, certo de que em pouco tempo Mocidade estaria encurralado.

“Bem, nesse caso é o governo” – ele respondeu. “É isso mesmo”, avalizou Agripino.

Em seguida fez uma pausa, deu um trago no cigarro e encaixou o golpe sem disfarçar mais a irritação: “E como é que o senhor, logo o senhor, tem coragem de ir para as ruas falar mal do governo, do meu governo?”

A resposta não demorou.

Mocidade passou a mão direita sobre os cabelos, tomou fôlego, olhou dentro dos olhos de Agripino e disse – sem empáfia, mas também sem subserviência:

- Sabe o que é mesmo doutor? É que governo foi feito para apanhar.

Feliz Ano Novo com eleições gerais!

Atualização da 15h02 - Do leitor Marcos Cordeiro de Andrade: "Fui contemporâneo de Mocidade em João Pessoa, na época, estudante do Liceu. Manifestação estudantil que se prezava tinha que ter Mocidade à frente. Com seu terno amarrotado, um número maior que o seu - presente de políticos admiradores, ex-secundaristas também - levava sempre um calhamaço de papéis debaixo do braço contendo poemas, citações e discursos de José Américo de Almeida, com que nos deleitava."

(Publicado originalmente no Blog do Noblat)

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