(Melhor ler na sequência numérica)
A solução para o momento era mesmo procurar um “trampo”. Alguém aí sabe o que é isso? Claro. Trampo tem origem naquela palavrinha nada recomendável para muitos, chamada trabalho, que, etimologicamente, vem do latim vulgar, tripaliare, ou seja, nada mais que o ato de martirizar o freguês com o tripalium (instrumento de tortura). (Aurélio). Daí a aversão de tanta gente à necessidade de ganhar a vida com o suor do próprio rosto.
Com coisa ruim é difícil a gente se acostumar. Com o que dá prazer, porém, apesar de pouco recomendável, a adaptação ocorre como o cair de um raio. Poucos dias, portanto, foram suficientes para eu me acomododar nos braços do ócio, ao nada fazer, ao lema “divertimento sim, responsabilidade nunca!”. Mas, agora, a banda começa a tocar um dobrado diferente. Hora de trabalhar, mané!
Correios e Telégrafos. Eis a primeira e única opção a martelar-me a mente. Afinal, a única coisa que até então sabia fazer na vida era ser radiotelegrafista. O piripipi (1), havia aprendido na escola do professor Espiridião Teixeira Tejas. Aliás, bom que se diga, na profissão, eu era um dos melhores da região Norte, modéstia à parte. Quarenta palavras por minuto eram moleza. Quem conhece do riscado sabe lá o que isso significa.
Puxando a cachorrinha, bati, logo nas primeiras horas da manhã, às portas do prédio dos Correios, localizado na rua Marcílio Dias, fundos para a avenida Eduardo Ribeiro, no centro da capital da Zona Franca. O difícil foi convencer o gerente de operações do fato de que eu era mesmo radiotelegrafista. 54 quilos distribuídos num esqulético corpo de moleque não podiam ser mesmo atributos a inspirar confiança.
Após muita luta, depois de realizar quase que um concílio com vários outros funcionários que por ali se encontravam, pôs-me o gerente operacional diante de um antigo receptor valvulado HQ-129-X Hammarlund, manipulador, fones de ouvido e... seja o que Deus quiser.
Passei no teste. Com louvor. Estava, finalmente, empregado. Adeus vidinha de playboy (vejam só quanta pretensão!).
Ah! O emprego... Tudo parecia certinho. Certinho até demais para o meu gosto. Faltava apenas o chefe tascar a assinatura na Carteira de Trabalho e pronto! Estaria formalizada minha colocação na única vaga existente na sede, em Manaus. Eis que aparece a primeira complicação. Como que do nada, surge alguém. Às mãos, uma indicação qualquer. Devia ser de algum figurão importante. Atravessou o meu caminho, de maneira implacável.
No dia seguinte, quando cheguei com os documentos recomendados para sacramentar a bendita assinatura do contrato de trabalho, descubro que o buraco é mais embaixo. O gerente de operações estava com umas sessenta pernas para me explicar o inexplicável.
Depois de formular mil pedidos de desculpas, faz a proposta, que me soou um tanto indigesta, confesso:
– Se você aceitar, nós temos uma vaga de radiotelegrafista em Boa Vista, capital do território federal de Roraima. Não é lá nada muito recomendável, por se tratar de um lugar longe, de difícil acesso, pouco movimento, mas é o que eu podemos oferecer no momento. É pegar ou largar!
O negócio não parecia bom sob qualquer aspecto. Partindo das ressalvas feitas pelo próprio gerente de operações, não devia mesmo ser nada fácil de deglutir. Lá vou eu subindo mais ainda. Para quem, partindo de Porto Velho pretendia chegar à Bahia, a tal viagem cada vez mais se complicava. A perspectiva de ter de pôr os pés em terras do extremo setentrião do país tinha mesmo o peso de um soco no estômago.
Mas, tem nada não. Do afogado, o chapéu! Conhecem essa expressão? Vamos lá! Embarcar nessa canoa e ver até onde ela poderá levar. Firmamos o contrato.
Daí, eis que surge a segunda complicação. Para se chegar ao novo local de trabalho, só por via aérea ou de barco, subindo o rio Negro e adentrando o irregular Branco, que só permite navegação plena nos períodos de chuva intensa.
– Não! De novo? Outra viagem de barco! Será que terei estômago para aguentar?
(1) Piripipi, forma corriqueira de se denominar a comunicação à distância que tem nas correntes elétricas o veículo para o código morse, um sistema de representação de letras, números e sinais de pontuação. Foi desenvolvido por Samuel Morse em 1835, criador do telégrafo elétrico. Ex.: a .- b -... c -.-. d -.. e . f ..-. e por aí vai.
(Segue no próximo capítulo.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário