quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Longo percurso para se chegar a Boa Vista (2)

(Melhor ler na sequência numérica)

O NM atraca no porto de Manaus por volta das 5h do dia 20 de março. Formigueiro humano. Um tal de gente desembarcando peixe; gente comprando peixe em fardos para revender em quitandas de bairros periféricos; gente – homens e mulheres – curtindo a cachaça ingerida ao longo da noite que terminava; gente de toda espécie embalada pela chegada da aurora às margens do Negro.

Para um provinciano menino ainda (tá bom, quase!), evangélico (que na época era conhecido como crente), acostumado a viver debaixo da saia da madrasta, os dias a seguir eram de deslumbramento total. Solto na buraqueira. Ninguém para pôr-lhe freios nos beiços. A palavra de ordem: "Viver tudo hoje. Quem sabe, não haverá amanhã!"

Vivendo um dia, aliás, uma noite, por vez. O “cafofo” foi contratado a uma senhoria despojada, uns 45 anos. Viúva sem filhos, cuja única herança do falecida era o tal cortiço. E o bairro, gente! Educandos. Um inferninho em cada esquina. Hoje, está tudo diferente. É local onde só abastado pode montar a "barraca".

Quem tem ouvidos para ouvir... Fora os diversos gêneros advindos de aparelhagem potente montada nos bares da noite Educanda, excessivos decibéis fluíam também de não menos potentes caixas de sons instaladas nos Sinkas Chambords et caterva, que, entre outras coisas, profetizavam o que viria a ser o líder dos Jaksons 5; além de Led Zepellin, "and others".

Sim, a rapaziada da época não “curtia”, como hoje, forró-pé-de-serra, não. (Calma! Nada contra tal gênero de música, certo?) Havia na época um quê de elitismo desbragado. Aliás, já havia o conceito de "brega", que eclodiu com a ascensão do Rei dos Garçons, Reginaldo Rossi. Mas gêneros que tais ficavam mesmo restritos aos "inferninhos", que mais tarde passaram a se chamar "bregas".

– Para onde tu vais hoje?

– Acho que vou dar uma passadinha no brega...

Gente tida hoje como refinada naquela época não ouvia brega, não. Afinal, seus ouvidos não eram pinico!, diziam.

Quinze dias. Esse foi o tempo suficiente para dar cabo de todas as economias amealhadas com a venda da Yamaha 125 CC, dois tempos, negra, toda incrementada, guidão alto lembrando Easy Rider (Jack Nicholson, Peter Fonda e Dennis Hopper), e de um terreno localizado no, hoje, centrão de Porto Velho, esquina das avenidas 7 de Setembro com Américas, adquirido dois anos antes.

Pronto! Sem dinheiro... sem eira nem beira. O susto maior foi o ultimato:

– Amanhã o senhor deixa o “apartamento” ou eu chamo a polícia!
Era desse jeito mesmo. A senhoria não estava para brincadeira. Tempos de ditadura, sabe como é...

Fazer o quê? Procurar trabalho, ó mané!

(Segue no próximo capítulo)

Um comentário:

Ethiane disse...

Estou ansiosa pelo próximo cápitulo. rsrsrsrsrsr.