Por Augusto Nunes
“Esta cultura de paz é a base do fato de que somos um país diferente”, disse Dilma Rousseff no meio do amalucado falatório de encerramento. Pinçada sabe-se lá de que lugar da cabeça, a frase indecifrável — mais uma — contribuiu para escancarar o que os jornalistas federais e os intelectuais domesticados fingem que não enxergam: a adversária que todo candidato pede a Deus é também a primeira debatedora da história que nem precisa de um oponente para perder. Para Dilma Rousseff ser derrotada, basta um monólogo de Dilma Rousseff.
A candidata do PT acha tudo “muito importante”, desconfia de que o concorrente está sempre “tergiversando”, acredita que o Brasil foi fundado em 2003, junta em dois minutos cinco assuntos que desconhece e protagoniza escorregões cada vez mais espetaculares. Ao discorrer sobre tsunamis e marolinhas, por exemplo, surfou na onda errada: “O Brasil foi o primeiro a entrar na crise e o último a sair”, trocou as bolas.
Ao ouvir que o PT votou contra o Plano Real, dedilhou a lira do delírio para reivindicar o direito de resposta: “Ele disse que eu sou a favor da inflação”, viajou. Prometeu, solenemente, “fazer um governo voltado para a pessoa humana”. E não finalizou a fala que deveria ser a fala final. Talvez por acreditar que Dilma não precisa de ajuda para ir à lona, Serra dispensou-se de novo de buscar o nocaute.
Quando lhe coube a iniciativa, tratou de questões administrativas. Permitiu que a adversária, sempre de guarda baixa e exposta a contragolpes devastadores, passasse a maior parte do tempo na ofensiva. Revidou a todos os ataques, é verdade, e até desferiu algumas pancadas severas. Mas nem sequer tentou o contragolpe definitivo. A tática, discorde-se dela ou não, parece ter funcionado: o grupo de 20 eleitores indecisos reunidos pela RedeTV! e pela Folha, organizadoras do debate, declarou Serra vitorioso por boa margem de pontos.
O que teria acontecido se o candidato da oposição passasse ao ataque e desferisse golpes potentes e frontais? Como terminaria o duelo se a sequência de socos verbais castigasse a roubalheira imensa na Casa Civil, a impunidade institucionalizada, a catarata de infâmias e delinquências despejada sobre a família Serra? Como reagiria Dilma se confrontada com a comparação entre a telefonia modernizada e os Correios em decomposição?
Que respostas balbuciaria se instada a explicar o sucesso do Plano de Arrendamento da Coisa Pública aos Altos Companheiros, o até recentemente clandestino PACPAC? Quanto tempo aguentaria nas cordas se fosse obrigada a comentar a produção da fábrica de dossiês e da usina de mentiras? Continuaria a declamar o poema épico “A Petrobras é a Pátria” se convidada a justificar o confisco dos bens da estatal na Bolívia, promovido por Evo Morales e abençoada pelo Beato Lula?
No mundo do boxe, diz-se que tem “queixo de vidro” o lutador que, ao primeiro soco mais vigoroso nessa parte do rosto, perde o rumo, a bússola e, pouco depois, os sentidos. Se Serra topasse a troca de pancadas, a disputa teria terminado há muito tempo. Dilma é toda de vidro. Está implorando para ser nocauteada.
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