Francisco Espiridião
Sete e meia da noite. Entro meio a contragosto. Cumpri-mento a todos com um “boa noite” não tão convicto. Como é que a gente pode desejar boa noite a alguém num lugar desses? Tem nada, não. Todos respondem com o mesmo desinteresse. Empate técnico.
Sento-me numa cadeira. Modo de dizer. Banco, mesmo. Dos compridos. Recoberto por estofamento. Mas não deixa de ser banco. A fila é grande. Acocha daqui, afasta de lá, com mui-to malabarismo consigo acomodar meus 105 quilos.
Tento esquecer a razão de estar ali. Até que o local convida a esse exercício de alheamento. São revistas de várias espécies. Desde aquelas que metem o nariz na vida dos outros – de pre-ferência dos artistas –, até às mais sérias, tipo Isto-É Dinheiro.
A TV abre um lapso em sua competente missão de bestiali-zar o telespectador para transmitir as mazelas humanas. O de mexas brancas em forma de topete anuncia em tom professo-ral: “Menino de 13 anos metralha escola nos Estados Unidos: cinco mortos, 150 feridos”.
Cabelos chapeados pega a deixa: “Ciclone devasta a costa norte dos Estados Unidos, gerando uma multidão de desabri-gados”. E mais: “A CPMI dos Cartões Corporativos vai investi-gar e pôr na cadeia meio mundo” (bom acreditar para não ga-nhar uma úlcera).
Mesmo assim, volto a pôr os pés no chão. Revista, locutor de vozeirão etc. e tal. Tudo perde o sentido. Pego-me a matutar sobre a razão de tanta gente ali. Cada um na sua, é claro. Ao mesmo tempo, no entanto, todos envolvidos numa catarse.
Paciência é a palavra de ordem. Ainda preciso ver passar o BBB-8 para que chegue a minha vez. A fila anda. Devagar, mas anda. Meus companheiros de banco entram e saem. Um a um. Uns solitários, outros acompanhados.
Entram, demoram de 10 a 15 minutos. Ao saírem, se não precisam mais conversar com a recepcionista, menos mal. Mesmo assim, exalam ar de quem sobreviveu a um incêndio de grandes proporções. Chamuscados.
Outros, mais desconsolados ainda, fazem uma força sobre-natural para entregar nas mãos da dita-cuja três oncinhas.
Olho de soslaio o meu companheiro da direita. Parece ner-voso. Nas mãos, sugestiva pasta. Uma papelada e tanto. Que nem a minha. Será que ele me imita, ou sou eu a seguir-lhe os passos?
– Por favor, seu Arquibaldo, é a sua vez.
– Anh? Sou eu? É... Seja o que Deus quiser!
– Com licença, doutor! Boa noite!
– Senta aí, Arquibaldo.
Todo íntimo, tentando quebrar o gelo. E eu, nervoso, como sempre.
– Vamos ver como estão esses exames... Ih, você está óti-mo. Só precisa fazer um cateterismo. Coisinha à toa.
– É... Coisinha besta mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário